Uma pesquisa realizada no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP), constatou a eficiência de produtos naturais derivados da flora brasileira no tratamento das doenças inflamatórias intestinais (DII), como a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn. O estudo apresenta ainda novos marcadores moleculares que podem ampliar a compreensão que se tem dessas doenças, cuja etiologia ainda é desconhecida.
“Trata-se de um projecto que consideramos audacioso por estudar tanto a doença em si, priorizando alvos moleculares da acção de fármacos clássicos, como alvos farmacológicos para novos produtos, como as cumarinas naturais e algumas plantas medicinais”, disse Luiz Claudio Di Stasi, responsável pela pesquisa “Doença inflamatória intestinal (DII): novos marcadores moleculares e actividade anti-inflamatória intestinal de fármacos e produtos de origem vegetal”, realizada com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Entre os principais resultados está a descoberta de que uma dieta com farinha de banana verde pode impedir a inflamação intestinal em roedores. “Consideramos a importância da microbiota intestinal na protecção contra o processo inflamatório para propor o estudo de alguns produtos naturais adicionados à dieta, que reunissem a capacidade de modular a microbiota intestinal previamente e agissem na prevenção das recidivas dos sintomas da retocolite ulcerativa e da doença de Crohn”, explicou Di Stasi.
O grupo coordenado pelo pesquisador estudou vários agentes prebióticos – fibras que servem de alimento para as bactérias intestinais benéficas, ajudando a organizar a flora intestinal –, como a polidextrose e as fibras da banana nanica (Musa spp AAA) verde, do jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa) e da taboa (Typha angustifolia).
O extrato da casca do caule do jatobá-do-cerrado e a farinha da polpa da fruta apresentaram acção anti-inflamatória em ratos com inflamação intestinal induzida por ácido trinitrobenzeno sulfônico (TNBS). De acordo com os resultados publicados no “Journal of Ethnopharmacology”: “Os efeitos farmacológicos estão relacionados à presença de compostos antioxidantes no extrato, como flavonoides, taninos condensados e terpenos na casca e na polpa de frutos de jatobá-do-cerrado”.
O projeto também estudou várias concentrações da farinha produzida com o caule da taboa, planta aquática muito comum no Brasil, típica de brejos, manguezais e várzeas. Verificou-se que, quando a farinha compõe 10% da dieta, há uma redução na lesão provocada por DII, com efeitos nas aderências de órgãos adjacentes e na diarreia.
Esses efeitos estão relacionados à inibição de marcadores bioquímicos de inflamação colónica, como a actividade das enzimas mieloperoxidase, liberada em resposta a invasões microbianas, e fosfatase alcalina, que inibe o crescimento de bactérias intestinais que estimulam a inflamação e impedem a translocação de microrganismos para a corrente sanguínea, além de uma atenuação das actividades da glutationa, um antioxidante hidrossolúvel.
“A farinha do caule da taboa demonstrou ser tão eficaz quanto a prednisolona, fármaco do grupo dos anti-inflamatórios esteroidais utilizado actualmente no tratamento de DII, com a vantagem de não apresentar efeitos adversos e colaterais”, destacou Di Stasi. Os estudos com a planta foram descritos num artigo publicado na “BMC Complementary and Alternative Medicine”.
Noutro grupo de experiências, o projecto estudou diferentes cumarinas naturais isoladas e, entre os resultados, destacam-se os obtidos com a 4-metil-esculetina, princípio activo presente nas folhas e raízes de diversas espécies de plantas, entre as quais as do género Mikania, que incluem diferentes plantas conhecidas no Brasil como guaco.
A pesquisa, publicada nas revistas científicas “Chemico-Biological Interactions” e “European Journal of Inflammation”, demonstrou que a 4-metil-esculetina produz efeitos semelhantes aos da prednisolona, e seus efeitos protectores estão relacionados à capacidade de reduzir o estresse oxidativo do cólon e inibir a produção de citocinas pró-inflamatórias. A administração de metil-esculetina nos modelos da pesquisa exerceu tanto efeitos preventivos como curativos, de acordo com o pesquisador.