Paulo Pires está em cena com a peça “A Noite” no teatro Rivoli, no Porto, até ao dia 25 de Maio. A Move Notícias esteve à conversa com o ator, de 47 anos, num final de tarde, no bar Rivoli, com vista privilegiada para a baixa da Invicta. Paulo Pires falou do papel de Torres, da participação nas novelas da TVI, da paixão pelo cinema e dos projectos futuros, com o charme e elegância que lhe são reconhecidos.
Depois de Lisboa, o teatro Rivoli… Como está a ser a experiência de trabalhar em “A Noite”?
Está a ser boa. Nunca tinha atuado no Rivoli. Já tinha estado com alguns espectáculos no Teatro Carlos Alberto e no S. João e acho que esta sala é muito boa e uma referência das salas espectáculos. Agora é esperar que as pessoas venham ver a peça. Até agora tem corrido muito bem. Sentimos uma grande empatia com o público.
Como é dar vida ao Torres?
Quando li esta peça, gostei de imediato do personagem. Gosto de interpretar personagens intensas e que o texto seja bom. O Torres é uma personagem forte, irónica e desafiadora, embora seja um homem que esteja a trabalhar como jornalista da província para não compactuar com o regime. Há quem diga que este personagem seja o alter-ego de José Saramago e é quase uma metáfora para o próprio país. É o homem que traz à peça a revolução.
De que forma preparou o Torres?
Não conhecia este texto. Em qualquer trabalho é necessário fazer uma leitura e depois segue-se o trabalho de documentar a peça. Este não é um assunto que me é alheio, porque faz parte da história recente do nosso país. Depois fiz várias pesquisas principalmente sobre o que aconteceu na noite de 25 de Abril de 1974. Também estivemos na própria redação de um jornal e visitamos os arquivos, que ajudou a construir o ambiente. Hoje em dia com a internet o nosso trabalho está mais facilitado.
Lembra-se do 25 de abril?
Na altura tinha sete anos, lembro-me da “Grândola Vila Morena”, da conversa dos meus pais sobre a revolução, mas não muito mais…
Como tem sido trabalhar com este elenco? Já tinha trabalhado com todos os atores?
Nunca tinha feito teatro com nenhum deles. Já tinha trabalhado com o Vítor Norte e o Pedro Lima. No fundo foi uma bela surpresa, porque somos todos diferentes e encaixamo-nos muito bem. Tem sido muito fácil trabalhar com este elenco. Até porque tivemos pouco tempo de ensaios, pois todos nós estávamos a trabalhar noutros projetos, houve uma empatia muito forte.
Acha que uma peça sobre o 25 de Abril é importante nos dias de hoje, apesar de ser uma história recente do nosso país?
Sim, sem dúvida. Até porque a peça foca-se na liberdade de imprensa e de expressão. Além disso, é um assunto que continua presente na sociedade. Há uma ou outra coisa que trava a verdade jornalística. Agora não são os coronéis, o lápis já não é azul… mas é alguém, ou é o poder financeiro. Por outro lado, aborda um tema sério mas com algum humor. Não é uma comédia, mas as pessoas divertem-se. Isto não significa que se está a aligeirar um tema sério. O humor e a graça fazem parte do nosso dia-a-dia.
Já teve alguma situação em que se sentisse na pele de Torres, onde de alguma forma tenha visto a sua liberdade limitada?
Nunca estive perante uma situação gritante como o Torres. Se estivesse perante tal situação não sei se teria a mesma coluna dorsal, a mesma coragem… Hoje em dia é muito fácil falar, naquela altura era difícil. Nós crescemos sem ter medo de nos expressarmos.
Atualmente, ainda está a gravar a novela “Belmonte”. Como é conciliar a novela e a peça?
Às vezes dorme-se menos, há dias que são passados a correr…
Como é despedir a pele do padre Artur para vestir a pele de jornalista?
Gosto de passar de um registo para outro. Prefiro fazer duas personagens diferentes, na televisão e teatro, do que estar a fazer duas novelas em simultâneo. É melhor trabalhar em áreas diferentes. Nunca me baralho, as águas são completamente separadas. Não sinto quando estou no palco alguma fisicalidade do padre Artur e vice-versa.
É uma presença assídua na televisão, no teatro e também no cinema. Qual é a área que prefere?
Gosto de passar por todas as áreas. Depois de terminar a peça e a novela vou fazer um filme, que ainda não posso revelar o nome. Acho que todos nós gostámos muito de cinema é a obra que não é efémera, porque é o que fica. Todos gostam de ter DVD’s em casa. Além disso, temos mais tempo para gravar, embora com a crise e os cortes, as coisas sejam diferentes. Mas acima de tudo gosto de pensar na personagem e não se vou fazer teatro, cinema ou televisão.
Qual foi a personagem mais desafiante?
Não sei se foi a mais, mas costumo falar na primeira que fiz em cinema, uma vez que foi a mais difícil. Quando interpretei o André no filme “Cinco Dias, Cinco Noites”. Prefiro pensar que a personagem mais desafiante será a próxima.
A “Belmonte” já está na recta final de gravações…
Estou a gostar muito de fazer esta novela, porque o guião é escrito por uma pessoa que admiro muito, que é o Artur Ribeiro. Ele é um jovem autor e realizador, que nunca escreveu uma novela e é bom ter uma pessoa nova e diferente a escrever. O Artur escreve muito bem. Depois tenho a sorte de estar rodeado de colegas excelentes, o que torna o trabalho ainda melhor.
As gravações da novela acabaram por se prolongar. Tem sido exaustivo?
Não, porque o meu papel não é muito pesado. É bom não fazer sempre o protagonista, pois isso deixa-me mais tempo para dedicar a outros personagens e estar no Porto com a peça “A Noite”.
É bom fazer uma pausa no protagonismo das novelas?
Sim, até porque os melhores personagens não são os protagonistas. Desde que o personagem tenha conflito é sempre interessante. Ao ter um papel menor consigo respirar, embora o padre Artur tenha uma linguagem muito própria, o que por um lado me obriga a um trabalho de pesquisa e a um trabalho memória mais difícil. Nesse sentido, tem sido muito desafiante.
Ao interpretar um padre, também é abordado o tema da igreja e o papel na sociedade…
Este padre dá uma imagem muito positiva da Igreja Católica, porque levanta questões e tem uma forma muito honesta de resolvê-las. É um personagem especial e está bem fundamentado.
O Paulo é agnóstico. É mais fácil para si interpretar esta personagem sendo agnóstico?
Não. Fui batizado, mas não fui praticante a partir daí. Respeito todas as igrejas e crenças. Eu como agnóstico tenho uma vantagem a fazer este padre, porque ele é ecuménico e um humanista. Ele podia ser budista. Não é uma pessoa obcecada pela igreja Católica, nesse sentido é mais fácil fazer um padre assim.
Entre as gravações em Estremoz e a peça no Porto, ainda resta tempo para a família?
Há sempre tempo. Primeiro, mais importante do que a quantidade de tempo que estamos com alguém é a qualidade de tempo. Ao contrário daquelas pessoas que têm sempre o mesmo horário, eu tenho uma sobrecarga e por vezes tenho mais tempo livre e estou sem trabalhar. Na semana passada, por exemplo, tive uma semana muito folgada com alguns dias disponíveis, quando isso acontece dedico mais tempo à minha mulher e às minhas filhas.
Fotos: José Gageiro