O jornalista da TVI leu um texto durante as cerimónias fúnebres de Emídio Rangel, que decorreram ontem, na Basílica da Estrela, em Lisboa. Mais tarde, José Alberto Carvalho decidiu partilhar o mesmo texto na sua página de Facebook:
“Amigos
Partilho aqui o texto que rascunhei esta manhã para ler numa circunstância particularmente dolorosa. Espero que quem gosta e foi tocado, seja de que maneira for, se possa sentir representado nestas breves palavras. Nenhuma vida cabe nas quatro tábuas de um caixão. A dele já não cabia no mundo. Não pode deixar de ser, portanto, um breviário incompleto e precipitado. Foi o que consegui… perante o pedido irrecusável da Ana e do Rui.
Obrigado Emídio
Por estranha mas óbvia movimentação cósmica a Lua ficou hoje mais longe. No entanto não desapareceu! Irei procurá-la mais logo…
Quem está aqui hoje tocou nela, porque tu nos inspiraste a fazê-lo. Deste-nos forças e talentos que desconhecíamos. Foste um criador, um inventor, um escultor, um lutador, um sonhador. E, como diz a música, acreditavas que não eras o único. Obrigado por nos teres ajudado a sonhar. E, mais do que isso, por nos teres ensinado a sonhar!
Estamos hoje aqui filhas, irmãos, sobrinhos, primos, tios, camaradas, homens e mulheres, novos e velhos. “Companheiros” como tu gostavas de dizer.
Estão aqui pessoas. De várias raças e cada um com a sua própria história.
Mas a história de nenhum de nós seria o que é sem a tua inspiração.
De ti, levo inúmeras lições.
E cada um de nós, acredito, leva a tua própria história.
Contigo aprendi , aprendemos! Tanto!
Para mim e uma vez que me foi pedido este testemunho difícil que é quebrar as tábuas deste caixão, quero lembrar a tua grandiosidade, a tua generosidade, o teu génio e coragem. Isso sim, é o que vale a pena recordar. E não as coisas mesquinhas, os momentos dolorosos em que também sofreste e fizeste sofrer. O tempo faz justiça aos justos.
E tu provaste essa agonia. Muitas vezes – ironia! – as notícias disseram coisas a teu respeito. Na maioria dos casos por sentimentos menores e mesquinhos e pela tentação mórbida que os humanos têm de apoucar os que ousam ser diferentes, os inconformados, os que não se ficam… Os que não se deixam levar.
Contudo, Emidio, contigo aprendi que não vale a pena querer ser exemplar. Não! Ninguém é exemplar!!! Mas vale a pena batalhar em nome de um exemplo, de uma ideia, de uma paixão; em nome de uma multidão, de um exército ou de um simples soldado de trincheira. E em nome de um filho, um amigo, uma mulher, um camarada, mesmo o mais anónimo dos indigentes.
E o teu exemplo de generosidade e de paixão perdurará. Comigo, irá perdurar até ao dia da minha própria morte.
Nos últimos dias todos sublinharam a tua importância para o jornalismo. Fizeste dele um sítio melhor. Não, nesta profissão, ainda não encontrámos o paraíso. Mas sabemos o caminho. E sabemos que nunca o alcançaremos, mas é preciso fazer o caminho.
Como jornalista e como homem obrigado ainda por me ajudares a acordar cada dia com vontade de abraçar o desconhecido; de estar disponível para tudo, incluindo – e sobretudo – aquilo que não sei.
Essa disponibilidade para o novo, para o impossível é a tua grande inscrição nos nossos corações e nas nossas vidas. E a paixão que colocaste em tudo, tudo, o que fazias.
Estás em nós.
Nós vamos levar-te connosco, meu irmão, meu amigo, meu pai, minha fonte de inspiração sabendo que nunca seremos como tu. Sabes… És como as notícias: não há duas iguais. E isso é maravilhoso.
Agora, companheiro, espero e desejo que descanses em paz.
Até sempre”.