Há profissões muito perigosas, mas durante a II Guerra Mundial Margot Wölk terá arriscado a vida vezes sem conta, umas vez que provava a comida de Adolf Hitler. Wölk desempenhou essa função durante dois anos e meio.
O trabalho tinha lugar no quartel-general “Wolf’s Lair”, altamente vigiado. Hitler temia ser envenenado e não corria riscos. No total 15 mulheres provavam diariamente, e várias vezes ao dia, a comida do ditador.
Margot foi a única que sobreviveu ao conflito. “A comida era sempre vegetariana”, contou ao canal alemão RBB. “Havia constantes rumores de que os britânicos queriam envenenar Hitler. Ele nunca comeu carne. Davam-nos arroz, noodles, pimentos, ervilhas e couve-flor”, acrescentou.
“Algumas das raparigas começavam a chorar enquanto começavam a comer porque tinham muito medo. Nós comíamos tudo. Depois tínhamos de esperar uma hora, e havia sempre medo de ficar doente. Costumávamos chorar como cães porque estávamos tão felizes por termos sobrevivido”, recordou.
Wölk, hoje com 96 anos, contou a história precisamente na casa onde nasceu, em 1917. Teve uma infância descontraída, com amigos judeus à sua volta. Isso acabou quando os nazis ganharam o poder em 1933. Provar a comida de Hitler aconteceu por acaso. Após abandonar o seu apartamento, que havia sido bombardeado, saiu de Berlim e, com o marido a combater na guerra, decidiu ir para a casa da mãe, em Parcz, na Polónia, a cerca de 800 quilómetros do quartel-general de Hitler.
O presidente da Câmara obrigou-a então a tornar-se provadora de comida. Todas as manhãs, um autocarro conduzido por um agente das SS apanhava Wölk e as outras raparigas para se deslocarem até a um edifício escolar para provarem as refeições do ditador. “A segurança era tão apertada que nunca vi Hitler em pessoa. Só vi o pastor alemão dele, o Blondi”, relembrou. A jovem, então com 25 anos, chegou a ser violada por um oficial das SS.
A alemã contou ainda o episódio da tentativa de assassinato a Hitler por parte de um grupo do Exército alemão, em 20 de julho de 1944: “Estávamos sentadas em bancos de madeira e, de repente, ouvimos e sentimos uma incrível explosão. Caímos dos bancos e ouvimos alguém a gritar ‘Hitler está morto!’ Mas obviamente não estava”
Quando o Exército Vermelho, dos russos, avançava, nos finais de 1944, Wölk teve a ajuda improvável de um oficial das SS e fugiu para Berlim. Mas o descanso não chegaria. Em maio de 1945, os russos procuraram-na, a ela e às colegas. “Tentámos vestir-nos de mulheres velhas, mas os russos vieram por mim e pelas outras raparigas. Cortaram os nossos vestidos e arrastaram-nos para o apartamento de um médico. Estivemos presas e fomos violadas durante 14 dias. Foi o inferno na Terra. O pesadelo nunca vai embora”, recordou ao canal alemão.
O corpo de Margot Wölk ficou com sequelas, impossibilitado de ter filhos: “Sempre quis ter uma filha. Quando cheguei aos 50, pensei, se tivesse tido uma filha, ela teria 25 anos agora. Mas, infelizmente, nunca aconteceu”.
Um soldado britânico, Norman, ajudou-a a recuperar. Ele voltou para casa depois da guerra e convidou-a para ela ir ter com ele. Wölk preferiu esperar, para saber se o marido, Karl, havia ou não sobrevivido à guerra. Em 1946, Karl acabaria por aparecer, depois de ter estado preso num acampamento para prisioneiros de guerra soviético. Pesava 45 quilos, tinha uma ligadura na cabeça e estava irreconhecível. O casal tentou viver uma vida normal, mas que os traumas de guerra não deixaram. E separaram-se. Karl morreu há 24 anos. Margot Wölk está sozinha desde então.