Off the record

Graça Pinto dá a receita da felicidade…dançando

Ritmo, movimento, cor são palavras que embrulham a entrevista que a Move Notícia fez à bailarina e professora de dança Graça Pinto e que mostra que a vida pode ser melhor mexendo o corpo, sem a rigidez de uma dança clássica.

Para Graça, a paixão pela dança cresceu ao ritmo de uma vida construída entre dois continentes,  África e Europa, e descobriu um caminho no meio do mar do Caribe, bem  no interior de Cuba.

Graça P

A experiência existencial dava um livro, resumido aqui em fatos e ambições de quem quer proporcionar prazer ao próximo à boleia da arte que escolheu como profissão ainda muito nova, apesar de as condições não serem as mais fáceis.

“Desde pequenita, queria dançar e ser bailarina e, no colégio onde cresci, já fazia as festinhas e era a figura principal, pondo as minhas colegas a fazerem cenário”, recorda Graça Pinto que só realizou o sonho quando começou a trabalhar para o sustentar.

“É uma questão de acreditarmos, de gostarmos e termos um bocadinho de sorte. Tive sempre quem me ajudasse a chegar aos sítios certos. Comecei ainda nova em aulas com amigos, depois com o balé, primeiro no TREP e depois no Parnaso que era mais acessível, passando pelos exames todos e pelo stress que nos prepara para a responsabilidade de ser bailarina. Isto tudo ao mesmo tempo que trabalhava para pagar as minhas coisas e me sustentar. Não foi fácil e tinha um único fato de balé para o ano todo, muito estragadinho, mas muito poupado”, recorda quem teve a força de nunca desistir.

“Entretanto, surgiu o curso profissional de dança no Balleteatro, no Porto, e isso foi muito importante, até pela base do clássico que tinha e experiência não só na dança, como também do fitness e aeróbica. Nessa altura, já estava casada. Tinha a minha filha mais velha, a Ana, e tive a oportunidade de me profissionalizar para ter um espaço meu, não só com oferta de balé, mas sobretudo com dança contemporânea que era a minha alma, onde eu podia falar e exprimir-me”, continua Graça Pinto, precisando o momento “na altura em que apareceu a série televisiva “Fame”.

Ainda no Balleteatro, começou a dar aulas ao mesmo tempo que aprendia ao lado “do Jorge Levi, a Né Barros e a Isabel Barros o que foi muito enriquecedor”. “Tinham uma forma de fazer chegar a informação à nossa alma de forma muito interessante, principalmente o Jorge Levi. Tivemos os melhores professores, pois havia um investimento de dinheiro que hoje não existe. Para mim, essa foi a grande escola”, reconhece Graça, em jeito de gratidão.

Ainda na escola, a bailarina conheceu aquele que se tornaria seu sócio, Ernesto Acosta, que “era o primeiro bailarino da Companhia Nacional de Caracas e que tinha vindo para o Porto a achar que vinha para a capital da cultura em Portugal. Top na dança, mal chegou, viu que não havia nada ou quase nada”. Muito ligado ao que era popular, “muito América Latina”, espreitou uma aula de Graça e achou que ela também tinha “muito salero”.

Estávamos em 1992 e Ernesto desafiou a colega para uma festa numa esplanada da Invicta em que dançaram “sem nunca parar”. “Foi preciso as pessoas mostrarem interesse em quererem aprender algo diferente do que tínhamos, ou seja, o clássico, e decidiu experimentar. Na altura, foi um escândalo porque, a nível social, só existiam as danças clássicas, uma coisa muito fria, muito europeu, até vir um fulano de fora dizer que se dança ‘agarradito, colado’. Foi estranho, mas pegou mesmo, mantendo o colorido de umas férias no estrangeiro transformou “o Porto”, nota a protagonista.

Nascia assim a Escola Sabor Latino que, ainda hoje, continua a ser uma referência, inspirando outros espaços em solo nacional, embora o conceito esteja registado. Mas, antes, “foi preciso estruturar o projeto” isso levou Graça até Cuba onde passou “algum tempo, a estudar na escola de folclore e ainda a ter  aulas particulares com os bailarinos que ensinavam às escolas”. “Estive também escondida, pois só tive hotel por uma semana. Andei um pouco fugida, porque na altura era proibido qualquer cubano estar em contato com um estrangeiro, a não ser que tivesse autorização da embaixada, mas nós queríamos era dançar”, relata quem bebeu da cultura popular à revelia do regime de Fidel Castro, no início da década 90, quando “era perigoso ir a Cuba”.

GP

Regressada a Portugal, Graça Pinto lançou-se ao desafio, ensinando o que tinha aprendido além-fronteiras inspirada  “na religião afro-cubana”, mas com “base no clássico que é fundamental para fazermos um bom trabalho”. Na mesma altura, já estava a trabalhar na RTP no programa “Viva amanhã” apresentado por Júlio Magalhães, passando depois para o “Praça da Alegria” onde se manteve até à sua mudança para Lisboa. A par disso, teve longas temporadas nos casinos.

A Sabor Latino abriu portas em 1995 na cidade portuense, sendo hoje acrescida de “um espaço também em Coimbra”. “Mantemo-nos aqui com a força que nos fez nascer, sempre com a tónica na dança latino-americana que é o nosso forte. Fomos nós que formámos as pessoas que dão agora aulas e os grandes bailarinos que andam por aí”, reclama a mentora, lamentando que, “hoje em dia, toda a gente dá aulas de dança, mesmo sem formação”. Isto porque “dançar está na moda e não há nenhum organismo que regule a atividade”.

A kizomba e a bachata fundem África e América Latina em movimentos que seduzem e que, segundo a professora “são movimentos simples que envolvem as pessoas”. Mesmo para os tímidos, Graça convida a experimentar e deixar-se levar pelos ritmos que fazem viajar para outras paragens. Em casa, a filha mais nova, Gabi, puxa à mãe e “é toda dança e músicas afro” o que derrete Graça Pinto. A primogénita virou fotógrafa e foi quem captou as imagens que aqui reproduzimos.

Na escola de Graça há, desde há quatro anos, uma disciplina para pessoas com mais de 50 anos que “é hoje a que tem mais sucesso”:  “Foi criada para pessoas que estavam totalmente sozinhas, que tinham enviuvado, para outras com falta de auto-estima por não terem vivido em pleno a juventude, e que acabam por despertar o que há de melhor delas a dançar. Uma hora corresponde a uma hora de caminhada, mas com dança. Ali estão a trabalhar a memória constantemente e a motricidade, principalmente as mãos, além de melhorarem a postura. É muito bom ver a felicidade das pessoas que saem como novas da sala”.

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Fotos: Ana Luísa Pinto/www.luminous-photography.net