Após um ano a viver em Angola, Joaquim Horta regressou a Portugal para integrar o elenco da novela “Mar Salgado”, onde interpreta Martim, e voltar a pisar os palcos. O ator, de 40 anos, substitui Luís Esparteiro na peça “Boeing Boeing”, atualmente em cena no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, num registo cómico e diferente do que espelha na ficção da SIC. Multiplicado pelos papéis, reconhece que precisava de dias mais longos. Sem contrato de exclusividade, valoriza as decisões livres que lhe permitem evoluir na arte de representar.
Move Notícias – Como está a ser dar vida ao personagem Bernardo em “Boeing Boeing”?
Joaquim Horta – Muito intenso! Quem fazia o personagem era o Luís Esparteiro, vim substituí-lo e as substituições são sempre processos muito intensos, porque há menos tempo para ensaiar. Mas a peça é bastante clara nas intenções. Esta personagem espelha, provavelmente, o sonho de muitos homens que é ter mais do que uma mulher…(risos). O autor quando escreveu o texto recorreu a este imaginário, do playboy que tem várias mulheres, todas lindas, hospedeiras… Claramente funciona muito com estereótipos. O público é sempre cúmplice da história, porque as personagens entram e saem e os espectadores sabem o que está a acontecer e estão sempre a rir.
MN – É mais difícil fazer uma personagem cómica?
JH –Tanto dá trabalho um personagem cómico como um dramático. O que acontece com a comédia é que existe uma certa pressão de fazer rir e às vezes isso é que coloca esta dificuldade de fazer um papel cómico. Não diria que é mais difícil do ponto de vista do trabalho. O público, naturalmente, tem mais tendência para ficar sensibilizado com a dor. Fazer rir exige que se apanhe a pessoa mais desprevenida. Nesse sentido, a pressão de fazer rir pode ser maior.
MN – Na conjuntura atual é complicado fazer rir?
JH – Acho que hoje é mais fácil, porque as pessoas querem divertir-se. Estamos a passar tempos difíceis e aquilo que as pessoas dizem no final do espetáculo é: “O que nós precisamos é de rir”. O público precisa de esquecer os problemas do dia a dia, não há muitos motivos para rir, infelizmente, e então isto acaba por fazer bem.
MN – Entretanto, também o vemos como Martim na novela da SIC “Mar Salgado”…
JH – O Martim não tem nada a ver com o Bernardo. É uma pessoa reservada, honesto, fiel e defende a instituição família. Ele vai sofrer muito no decorrer da história. Descobre o segredo da mulher e isso vai mudar muita coisa. Digamos que com o Martim sofro e com o Bernardo divirto-me (risos).
MN – Depois de descobrir que está a ser enganado pela própria mulher em relação à filha adotiva, a personagem vai mudar?
JH – Sim, o Martim vai-se tornar uma pessoa mais introspetiva, com algumas desconfianças e raiva até. Não vai aceitar bem a traição.
MN – Como concilia a televisão com o teatro?
JH – É a parte mais difícil. Mas não me vou queixar e dizer que é terrível. Estou a fazê-lo porque gosto e me dá prazer. Requer um esforço maior, é verdade, mas acho que os sacrifícios são compensados.
MN – Quais são as maiores dificuldades de interpretar duas personagens em simultâneo?
JH – É o dia só ter 24 horas! Os dois personagens são bastante diferentes e ajuda a desligar um ou de outro personagem. Depois são registos diferentes, não existe confusão de personagens.
MN – Como é fazer parte de um projeto líder das audiências?
JH – É muito bom ter esse feedback do público. Quando começamos a trabalhar no projeto temos sempre muitas dúvidas de como será a aceitação do público. Assim que a novela começa a ser transmitida e vemos que os espetadores estão a gostar, claro que ficamos felizes.
MN – Qual é o segredo do sucesso de “Mar Salgado”?
JH – É sempre difícil perceber qual o segredo do sucesso das novelas, porque as tramas andam sempre à volta das paixões, traições, desenganos… Em “Mar Salgado” houve um investimento a nível de imagem e penso que se está a colher os frutos disso. A história também é boa e o elenco funciona bem. Mas acho que foi o facto de ter uma imagem mais atraente que prendeu o público.
MN – E o que é que o Bernardo e o Martim têm do Joaquim Horta?
JH – Têm muita coisa, porque não nos conseguimos desmultiplicar. No Martim há um lado humano que procuro ter. No Bernardo é o lado bem-disposto, de bon vivant que é uma filosofia que me agrada.
MN – No ano passado esteve em Angola a trabalhar num projeto…
JH – Estive a fazer direção de atores numa produtora e correu muito bem, foi muito interessante. É ótimo quando se arranca um projeto de início e podemos fazer as coisas à nossa maneira e da forma como acreditamos que deve ser. Desse ponto de vista foi muito gratificante, o investimento que estão a fazer é grande e acho que podem vir a acontecer coisas muito interessantes.
MN – Vai voltar a África?
JH – Defini que não iria ficar mais de um ano, porque a minha carreira passa por aqui e o que gosto de fazer é representar. E não era isso que estava lá a fazer. Vou estar cá até ao final das gravações da novela, depois logo se vê. Tenho mantido o contacto e sei que há novos projetos a arrancar lá. Se for necessário, vou outra vez.
MN – Como foi viver esse ano em Angola?
JH – Vivia cá e lá, mas quando estamos fora sentimos sempre falta de alguma coisa. Não sou exceção à regra, mas gostei muito de estar em Angola e vivi experiências importantes para a minha vida. O desafio valeu a pena.
MN – Qual das áreas prefere: cinema, teatro ou televisão?
JH – Gosto das três, mas o teatro é sempre especial, pois há uma partilha de experiências com o elenco e com o público.
MN – Não tem contrato de exclusividade com nenhum canal. Sente-se bem com essa liberdade de poder escolher projetos?
JH – Muito bem. Não posso dizer que nunca irei abdicar dela, mas confesso que gosto desta liberdade, porque me permite fazer coisas diferentes, perceber o que se faz de diferente aqui e ali… Isso é importante para mim. Não quero estagnar só num sítio e fazer só daquela maneira. O facto de poder mudar ajuda-me a evoluir enquanto ator.
MN – Fez parte do elenco das séries da RTP “Maternidade” e “Liberdade 21”. Prefere trabalhar em novelas ou séries?
JH – Retiro a “Liberdade 21”desse baralho porque foi, de facto, uma série, um projeto diferente e que foi executado com mais tempo e calma. Agora as séries são gravadas quase ao mesmo ritmo de uma novela. Daí achar que a diferença não é assim tão grande.
Fotos: José Gageiro