Dantas Rodrigues

Advogado

Tolerância zero

A recente quadra do Natal trouxe às páginas dos jornais a notícia de uma singular operação de controlo de velocidade e fiscalização de trânsito. Um casal transportava os respetivos filhos, menores de idade, com taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e viu-se privado das crianças.

A irresponsabilidade do acto parece por demais evidente, e só temos que nos congratular com as regras actualmente em vigor contra o uso e o abuso do álcool por parte dos condutores, bem como aplaudir a vigilância que sobre os mesmos é incansavelmente exercida pelas autoridades para que as estradas do nosso país não se tornem verdadeiros caminhos esconsos de assassinos à solta.

Ainda bem que já vai longe o tempo em que Portugal, tal como em outros países produtores de vinho, vingava uma tolerância de álcool ao volante, por isso ser bom para o negócio e, diziam os «responsáveis» de então (anos 80, 90), porque evitava que se bebesse cerveja e outras bebidas brancas, muito mais perigosas para a condução e, em tom paternalista, acrescentavam, para a saúde também. Como se saúde e condução não fossem uma e a mesma coisa.

Quem não viu, por esses restaurantes de estação de serviço portugueses, espanhóis ou franceses, condutores, sobretudo camionistas, a fazerem grandes almoçaradas, sempre bem regadas a jarrões de tinto, findas as quais se metiam temerariamente à estrada? Gente resistente, que aguenta bem, dizia-se! Não admira, pois, que Portugal, Espanha e França daqueles anos fossem considerados os países com maior índice de acidentes na estrada. Hoje, felizmente, já não é assim, e bom seria que, em lugar dos 0,2 mg/ml a 0,8 mg/ml, actualmente permitidos na Europa comunitária, houvesse mesmo tolerância zero como se pratica na Estónia, Roménia, Eslováquia, República Checa e Hungria.

Se beber ou ingerir psicotrópicos ao volante constitui sempre um acto da maior irresponsabilidade, o que dizer então de pais que transportam os seus próprios filhos num automóvel completamente embriagados? Em termos meramente legais, aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores. Chama-se a isso responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação. Os pais devem cuidar dos seus filhos menores, a fim de que eles possam desenvolver-se de maneira sadia, preparando-os para a vida, para que sejam adultos correctos e úteis à sociedade. Zelar pela sua segurança e não os expor ao perigo apresenta-se, por conseguinte, como uma obrigação dos pais. A criança ou o adolescente correm perigo quando estão sujeitos, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança.

Esses comportamentos de exposição ao perigo podem ser, por exemplo, provocados pelos progenitores ou pelos tutores ao transportarem crianças ou adolescentes num veículo automóvel por esses progenitores ou tutores conduzido, não estando eles em condições de o fazer em segurança, por se encontrarem em estado de embriaguez alcoólica ou sob influência de estupefacientes ou outros produtos de efeito análogo.

Detectada a prática do ilícito criminal por parte de um dos progenitores (ou de ambos), ou dos tutores, outra alternativa não resta aos agentes da autoridade que a de remover o perigo a que os menores foram sujeitos, dando início à aplicação de medidas de proteção de emergência. Em situação de emergência, a competência para retirar os menores aos progenitores ou aos tutores pertence às autoridades policiais, que asseguram, através dos serviços da Segurança Social, a proteção das crianças e jovens em perigo, procedendo à sua instalação em casa de acolhimento temporário.

Posteriormente, o Ministério Público recebe a comunicação da autoridade policial e requer ao Tribunal de Família a aplicação de medidas provisórias de protecção. São medidas de promoção e protecção, cuja finalidade é a de procurar condições que permitam proteger e promover a segurança, a saúde, a formação e o desenvolvimento do menor.

O internamento em lares ou instituições constitui sempre um último recurso e provoca, como é natural, a ruptura com a família biológica. O princípio da prevalência da família faz com que a medida recomendada se apresente sempre como uma «medida de apoio junto dos pais». A criança ou o jovem devem, preferencialmente, ser educados pela sua própria família no âmbito da responsabilidade parental, traduzido, na imposição aos pais, pelo respeito dos seus deveres. Para que os pais se inteirem cabalmente das suas obrigações é-lhes disponibilizado um programa de formação conhecido como “programa de educação parental”.

Os pais não são donos dos filhos, e se não cumprirem os seus deveres podem ser afastados e inibidos do poder parental, confiando-se a criança ou o adolescente, se for o caso, a pessoa selecionada para futura adopção.

Hoje surgem, cada vez mais, novos modelos de família, mais igualitários nas relações de sexos e de idades, mais flexíveis nas suas temporalidades e nas suas componentes, menos sujeitos à regra e mais ao desejo. Pais que habitualmente bebam álcool ou consumam estupefacientes de forma abusiva têm de perceber que essas suas condutas são atentatórias dos interesses dos seus filhos e, como é óbvio, não promovem nem a segurança, nem a saúde, nem, muito menos, a educação.

E, a propósito de educação, não pode aqui ser obliterada a palavra civismo, lembrando que a vida é um bem demasiado precioso para não estar à mercê de uns quantos que tudo arrastam com os seus actos irresponsáveis e para os quais a única atitude da sociedade só pode ser a de lhes ser concedida tolerância zero.

** Por Dantas Rodrigues, socio-partner da Dantas Rodrigues & Associados