O monólogo “Ana Bola Sem Filtros” passou pelo Casino de Espinho no último sábado e, em breve, estará em cena no Porto, de 9 a 12 abril, no Teatro Rivoli. A propósito do espetáculo, a Move Notícias esteve à conversa com Ana Bola.
Sempre frontal, a atriz, de 62 anos, não tem “papas na língua” quando é hora de falar sobre o papel das mulheres na comédia que, defende, ser uma área, como tantas outras, sujeita ao machismo. “A maior parte dos comediantes, em quase todo o mundo, são homens. Há alguns países como França, Inglaterra… onde há muitas mulheres comediantes, mas a comédia em Portugal continua a ser uma coisa de homens. Fazem falta mais mulheres na comédia, como em outras áreas. Sem dúvida este é um universo muito masculino e até acho que não gostam que as mulheres existam”, afirma, determinada a lutar pela mudança de mentalidade. O humor sempre fez parte da sua vida e nunca se arrependeu por ter escolhido as artes, porém não esconde que nem sempre foi um caminho fácil de percorrer: “Não é fácil trabalhar nas artes em Portugal, porque arriscamo-nos a não comer. Podemos trabalhar um mês e depois estar vários sem trabalhar. Arrisquei, mas também tive imensa sorte, conheci as pessoas certas, trabalhei …”.
Além de atriz, Ana Bola também é autora e confessa que foi uma grande luta “para conseguir interpretar os textos” da sua autoria. No entanto, garante que nunca se arrependeu da escolha profissional que fez. “O que me arrependo algumas vezes é de não ter saído deste país, embora adore Portugal. Mas se fosse mais nova ia-me embora enquanto não endireitassem isto, porque o que se passa é vergonhoso”, diz determinada.
Os tempos de crise não afastam as pessoas do teatro, “bem pelo contrário, porque o público quer esquecer as chatices”. Para um autor, em épocas difíceis, também é mais fácil trabalhar, pois “não faltam temas”. “A comédia na crise pode e deve ser uma arma, porque deve ser contra poder, se assim não for não tem graça nenhuma”, assegura.
Desde 2012, altura em que terminou o “Estado de Graça” da RTP, que Ana Bola está afastada da televisão, facto que não deixa de lamentar. “Não há programas de comédia na televisão, tirando os de comédia involuntária protagonizado por comentadores políticos, a ‘Casa dos Segredos’, e tal… (risos). Nas televisões privadas o que elas querem é ganhar dinheiro e ganha-se muito mais com um reality show, quanto mais chunga melhor. O serviço público esteve a tentar copiar os outros, o que é muito mau, porque não têm dinheiro. De maneira que acham que o humor não é preciso. O humor é incómodo…”, acusa.
Entre outros desejos, a atriz revela que gostaria de voltar com o “Estado de Graça”, pois “era um programa que fazia todo o sentido, cumpria o serviço público e ainda tinha audiência, mas o (Miguel) Relvas não gostava do programa”.
Na hora de apontar o dedo, a artista também não se inibe de criticar os castings feitos para as novelas portuguesas, que cada vez mais apostam em núcleos de humor, mas sem comediantes: “Em qualquer país, a comédia faz-se com comediantes. Nas novelas os núcleos de comédia fazem-se com atores, que às vezes nem são atores, e depois põe lá um para disfarçar. A comédia é uma especialidade”. Ana Bola acredita que os comediantes não são escolhidos “por uma questão de dinheiro”. “A televisão gosta muito de estrelas emergentes, porque vendem publicidade e porque saem mais baratas”, opina.
A reforma está fora dos planos de Ana Bola, quer continuar a escrever e a atuar pelo palcos deste país. “Só vou ganhar 340 euros de reforma, até gostava de descansar um bocadinho, mas não posso”, remata, com o seu característico sentido de humor.
Fotos: José Gageiro