Depois de Lisboa, noite apoteótica no Coliseu do Porto.
Se porventura persistissem algumas dúvidas, creio que foram claramente dissipadas: os Simple Minds chegaram ao Coliseu do Porto e simplesmente arrebataram uma plateia de cerca de 5 mil pessoas com um espectáculo que provou de forma inequívoca que a banda de Glasgow continua bem “alive and kicking”. Atendendo ao perfil da larguíssima maioria do público que acorreu ao Coliseu a noite passada – uns 90% teriam mais de 40 anos –, era grande a expectativa quanto à receptividade aos novos temas de “Big Music”, tanto mais que seria expectável que esta massa de fãs viesse ávida de escutar os êxitos de outros tempos.
A banda escocesa fez-lhes a vontade, para gáudio de todos. Aliás, se observarmos a escolha dos temas que compuseram o alinhamento, nota-se a predominância do repertório passado da banda – metade dos 26 temas tocados ontem eram provenientes de registos dos anos ’80.
A disposição dos mesmos ao longo da noite foi milimetricamente talhada para “acomodar” a apresentação das novas canções de “Big Music”. E podemos dizer que a aposta foi ganha. Logo a abrir as hostilidades, “Let The Day Begin” começava com o teclado de Gillespie a soar as boas-vindas, depois de um equivocado “Boa tarde, Porto!”, quando já passava das 21 horas locais, e de uma breve introdução na qual Jim Kerr elogiaria a cidade Invicta – “Maravilhosa cidade vocês têm aqui!”.
Sem perder o embalo, mais duas canções do novo disco, “Blindfolded” e “Broken Glass Park” serviriam de mote para “aquecer” o ambiente, antecipando a revisitação a temas mais remotos como “New Gold Dream”, “Home” (“Vocês fazem-nos sentir em casa esta noite!”, atira Kerr) e “Stay Visible”. Surge então a melodiosa “Honest Town”, um dos temas fortes do novo álbum e que mereceu muitos aplausos, a que se seguiriam “Lovesong” e “Rivers Of Ice”. Aqui surge a primeira surpresa da noite: Catherine Anne Davies, artista convidada para acompanhar a tournée, senta-se ao piano e, secundada pela “atmosfera” criada pelas teclas de Gillespie, presenteia o público, surpreendido com o talento desta, entre nós ainda desconhecida, cantora e multi-instrumentalista galesa, com uma das mais belas canções da noite, encerrado já com Kerr na voz .
O primeiro momento apoteótico chegou com “Waterfront”, de pronto brindado com uma chuva efusiva de palmas. E a explosão total não demorou quando Burchill dedilhou os acordes de introdução de “Don’t You (Forget About Me)”, levando a plateia ao êxtase! Todo o Coliseu vibrava com o entusiástico coro dos portuenses a cantarem um interminável “lalalala, lalalala, lalalalalalalalala…”, deixando o próprio Kerr tão perplexo e emocionado que não evitou soltar mais um rasgado elogio bem-humorado: “Fantástico! Nós é que devíamos pagar-vos!”
Após o intervalo, anunciado com nova tirada bem disposta de Kerr (“Não se vão embora! Nós voltamos dentro de 15 minutos, é o tempo de tomar três whiskies!”), a segunda parte abre com um duplo regresso a 1984 – “Book of Brilliant Things” e “East At Easter” – com todos em palco menos Kerr, substituído pela belíssima voz cheia da cantora de apoio, Sarah Brown, outra das convidadas para a digressão.
De regresso ao palco, Kerr brinda o público com uma mão-cheia de êxitos passados – “Once Upon A Time”, “All The Things She Said”, “Let There Be Love”, “Let It All Come Down” e o arrebatador “Someone Somewhere (In Summertime)” – antes de anunciar mais um tema novo, o contagiante “Midnight Walking”, que caiu no goto do público que ululava dançante, nas tribunas e na plateia em frente ao palco. E o Coliseu explode de novo quando se adivinha a vinda de “Alive And Kicking”, com milhares de vozes em coro a cantar a letra do princípio ao fim, o mesmo sucedendo com o remidor “Sanctify Yourself”, igualmente muito aguardado.
Para o final estavam reservados dois puros momentos “zen”, daqueles hipnotizantes mesmo: primeiro, uma versão totalmente depurada (sem os artifícios tecnho da produção do disco) de “Spirited Away”, sem dúvida uma das mais tocantes e imponentes canções de “Big Music”, ouvida num silêncio absoluto, quase em transe, por toda a sala, tal como Kerr (que sussurrava ao microfone), de resto, exigira antecipadamente; o segundo foi a interpretação arrepiante e arrebatadora de “Belfast Child”, com Kerr, embalado pelo teclado de Gillespie, a demonstrar que a sua voz pode ter perdido alguma pujança, mas continua refinadíssima e no timbre certo!
Um pouco antes, o vocalista escocês rodopiava freneticamente o microfone no ar, como que a anunciar o ritmo empolgante de “Big Music”, seguido de “She’s A River”, finalizando o “encore” de quatro canções exigido por um público que fazia trepidar o Coliseu – motivando outro comentário cómico de Kerr: “É Domingo à noite, vocês não têm de ir trabalhar amanhã?” – com uma homenagem aos Doors na versão de “Riders On The Storm”. Deu mesmo a sensação de que Kerr não queria abandonar o palco. Afinal, não foram apenas os portuenses a saírem do Coliseu rendidos: depois da calorosa recepção em Lisboa na véspera, conforme publicara a banda de Glasgow na sua página oficial do Facebook, a noite estrondosa no Porto foi um sinal inequívoco de que, ao fim de mais de três décadas, aqui ainda ninguém se esqueceu dos Simple Minds!
Texto: Marcelo Neves
Fotos: José Gageiro