Natural de Lourenço Marques, Moçambique, Carla Andrino veio para Portugal para “fugir” da guerra. Apesar das dificuldades, a atriz diz que esse momento marcou-a de uma forma positiva e que fez dela uma mulher lutadora. “De certa forma determinou a pessoa que sou hoje, esta resiliência de olhar para as coisas como desafios e não como obstáculos, não me vitimizo, nem tenho um papel passivo na vida”, afirmou à Move Notícias. Desde cedo que aprendeu a “arregaçar as mangas”, por isso não é de estranhar que a sua vida se divida entre duas profissões: a de atriz e a de psicóloga. “Os meus pais vieram para cá com três filhas, vivíamos num quarto e a mesa onde comíamos era uma tábua de passar a ferro”, contou, sem esconder a emoção das recordações de “retornada”. Por isso, já nessa altura pensou: “Não vou passar por isto novamente”.
Este pensamento acabou por influenciar a sua vida. Bailarina de profissão tinha consciência que era uma carreira de curta duração, por isso considera que mais do que dançar, representava. “A primeira vez que pisei um palco foi como bailarina. Fiz espectáculos de dança no teatro, mas já com um pé na representação, por isso a passagem para a representação foi muito natural”, revelou. A memória da primeira vez que subiu ao palco como atriz ainda está fresca. “Foi na peça ‘Boa Pessoa’, de Brecht, no Teatro Aberto. Atuava ao lado da Irene Cruz” relembrou com um brilho nos olhos. No entanto, foi na comédia que se destacou. “O humor surge por acaso, com ‘Os Malucos do Riso’, ‘Os Batanetes’… se bem que gosto muito de fazer papéis dramáticos, identifico-me mais com esses papéis. Em Portugal, há o hábito de se rotular os atores, o que acho um disparate. Um ator tem que ser capaz de interpretar vários papéis”, referiu.
Entre o palco e o consultório
Em palco com a peça “Caixa Forte”, no Porto, Carla Andrino, de 48 anos, diz que estar no palco não é tudo. “Sou uma mulher de família, antes de ser atriz sou uma pessoa. Acho importante fazer essa distinção. Sou a Carla que é mulher, mãe, filha, irmã, atriz, psicóloga… tenho vários papéis. Se tivesse que viver sem palco, vivia”, confessou, acrescentando que tudo na vida se “complementa” e que sem o amor da família não teria “nada para dar ao público”.
A incerteza da profissão fez com que abraçasse outra paixão, a psicologia: “Sempre me senti psicóloga, por ter tido a capacidade de me colocar no lugar do outro. Quando o meu filho mais novo entrou para o 1º ano (antigamente 1ª classe), entrei para a faculdade. Na altura, tinha 29 anos, tirei a licenciatura em psicologia clínica, o mestrado em psicologia da educação e estou no quarto do doutoramento”, recordou. Desta forma, Carla Andrino consegue ter uma maior estabilidade: “Um dos meus maiores luxos é ter uma profissão fixa, que é ser psicóloga. Tenho televisão, ótimo, se não tiver, ótimo à mesma, porque financeiramente tenho estabilidade. O meu marido também tem uma profissão liberal, não me podia dar ao luxo de não ter dinheiro para dar leite aos meus filhos. Dentro deste regime a recibos verdes teria que haver alguma ordem e equilíbrio”.
Carla Andrino defende que os atores “não são respeitados” no nosso país: “Não temos direito a baixa, a subsídios… não temos direito a nada. O show must go on estejamos nós como estivermos. Depois temos meses sem trabalho e não estamos de férias, estamos desempregados”.
Conciliar as duas atividades nem sempre é fácil, mas abdicar de uma delas é impensável. “Eu fiz a minha opção, sou atriz e sou psicóloga. Às vezes não é fácil estar a ouvir problemas graves das pessoas e depois chegar ao teatro e ter que entreter e fazer rir. Mas às vezes é catártico”, partilhou.
É com estas diferentes facetas que a atriz se sente feliz e completa enquanto ser humano. Em breve, Carla Andrino vai viver um novo papel, o de avó. Vai ter dois netos e não poderia estar mais feliz e entusiasmada com o que o futuro reserva. A filha da atriz, Marta Andrino, está grávida de quatro meses, e o filho, Martim, também vai ser pai já no próximo mês.
Fotos: José Gageiro