Off the record

José Pedro Gomes sem peneiras numa conversa da treta

O Teatro Sá da Bandeira, até ao dia 14 de junho, volta a contar com o talento de José Pedro Gomes, que no seu estilo inconfundível é o protagonista da hilariante peça “Estamos Todos?”.

Neste espectáculo, o ator dá vida a oito personagens. No dia do seu casamento, o próprio noivo, o gestor da boda, o padre, o futuro cunhado, a ex-mulher e até um inspetor da polícia, envolvem-se numa sucessão de peripécias que parecem não ter fim. “Não é fácil, mas tive a ajuda do Adriano Luz, que é o encenador da peça, que soube dividir o que era de cada personagem, para estes personagens não se contaminarem. Claro, que uma peça destas exige muito trabalho”, contou à Move Notícias, revelando que a sua personagem preferida é o velhote, o mais desafiante “que está sempre a embirrar com a mulher”.

A peça foi escrita especialmente para José Pedro Gomes, por Luísa Costa Gomes, e o ator diz que “a responsabilidade acresce, mas dá um gozo especial”. Com este espectáculo, já percorreu Portugal “de lés a lés” e confessa que gosta “muito de andar na estrada”. “Sou muito bem recebido pelo público, essa é uma das razões porque gosto de sair da zona de Lisboa. Além disso, acho que é uma missão que nós, artistas, temos que andar a circular pelo país e levar a cultura às pessoas”, contou o ator que aos 18 anos, deu os primeiros passos na arte de representar.

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Uma vida dedicada ao teatro
O ator e encenador foi um dos pioneiros, ao lado de António Feio, a levar os espectáculos para outras cidades: “Quando eu e o António (Feio) começamos a andar na estrada não era muito comum. Na altura, há 20 anos, trabalhávamos com subsídios, e achávamos que as pessoas de todo o país tinham o direito de ver os espectáculos, porque éramos pagos com o dinheiro dos impostos. Também queríamos perceber como era o teatro fora de Lisboa. Na época não havia as salas de espetáculos que há hoje. Essa é a principal diferença que noto”. Entretanto, com a crise, os novos teatros “deixaram de ter dinheiro para fazer a programação”. Por isso, “há determinadas cidades onde não se pode ir, porque os teatros estão fechados ou a não afluência de público não assegura o pagamento das despesas”. “A crise afastou muito as pessoas do teatro”, lamentou. Por isso, “é cada vez mais difícil ser ator de teatro e viver disso”.

José Pedro Gomes estreou-se nos palcos na década de 70 e confessa que só viu o teatro passar por uma época tão difícil como esta, nessa altura. “Quando comecei, já a seguir ao 25 de abril, toda a população ia ver as peças de teatro, mas começou-se a fazer um teatro muito politizado ou muito interventivo. Depois passou a ser muito fechado, muito intelectual”, recordou. Como as peças eram subsidiadas, não “havia o confronto com o público, no sentido de haver a preocupação da afluência de pessoas e se elas gostavam ou não do que viam”. Assim, “houve um corte com o público”.

Porém, acredita que se conseguiu conquistar de novo as pessoas e sabe que ele próprio contribuiu para que isso acontecesse. “Tenho noção que ajudei. Sem peneiras. Porque passei de estarmos à espera de ter um número mínimo de espetadores, para se fazer um espetáculo, para ter salas esgotadas todos os dias. Aliás, comecei a fazer tournées para perceber o que o público gostava e se estava no caminho certo”, disse, com frontalidade e sem tiques de vedetismo.

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Saudades de António Feio
“A Conversa da Treta” foi um dos trabalhos que mais marcou o ator, não só pelo sucesso que a peça alcançou. “Permitiu-me um trabalho muito intenso e íntimo com o António (Feio), que foi o meu grande companheiro nestas investigações sobre o teatro. Aprendi muito sobre comédia. O texto que os autores escreviam era uma base do que dizíamos em palco”, afirmou, sem esconder que sente muitas saudades desse tempo e em especial do colega. “A morte do António foi uma perda muito grande, não só para mim, mas também para o teatro que perdeu um homem muito importante. Como encenador ele tirava o melhor dos atores”, referiu, visivelmente emocionado.

Sabe que “não é possível” encontrar outro “parceiro” como António Feio para dividir o palco: “Tenho colegas com quem gosto de trabalhar, mas chegar àquela intimidade e cumplicidade é difícil. Foram muitos anos de conversa do que queríamos fazer e depois levá-lo à prática. É impossível encontrar uma pessoa que preencha os mesmos requisitos”.

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Afastamento da televisão
Desde a sitcom “Hotel 5 Estrelas”, da RTP, que foi para o ar em 2002, que José Pedro Gomes não faz nenhuma participação no pequeno ecrã. “Poderia ter dito que não surgiu o projeto certo, mas a verdade é que não têm surgido convites. (risos) Às vezes surgem convites, mas sou mais do teatro. Neste momento, já estou a pensar no próximo espectáculo, que deverá estrear em setembro. Surgiu uma oportunidade de fazer uma novela, mas levava muitos meses e não poderia fazer teatro, que é a minha prioridade. Acho que também não surgiu o timing certo”, revelou, sem papas na língua.

No entanto, defendeu que faz falta “um programa de humor em televisão” e não esconde que “gostava de trabalhar novamente numa sitcom”.

Aos 63 anos, o ator não pensa na reforma e prevê continuar a brindar o público com o seu talento por muitos anos: “Vou para casa fazer o quê? Espero continuar a trabalhar durante muitos anos, não me vejo sem o teatro”.

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Fotos: José Gageiro