“Queremos chegar à final e vencê-la”. Esta é a frase que marca a atualidade e que descreve a determinação do selecionador nacional. Aos 61 anos, Fernando Santos pode não conquistar o Euro em França, mas ninguém pode acusá-lo de atirar a toalha ao chão.
Olhado de lado pelos mais céticos, o treinador assumiu os comandos da seleção lusa a 24 de Setembro de 2014, vindo da “rival” seleção grega onde esteve quatro anos. Chegou cá com um castigo de oito jogos por parte da FIFA, na sequência da expulsão durante o Mundial de 2014. Seis meses depois, livrou-se da sanção e voltou a sentar-se no banco já como timoneiro da nação onde nasceu.
Filho de um vendedor de acessórios para automóveis e de uma doméstica, Fernando tinha apenas 40 dias quando se estreou no mundo da bola. “Os meus pais levaram-me na alcofa à inauguração do Estádio da Luz, a 1 de dezembro de 1954”, recordou numa entrevista.
O pai era fanático por futebol, mas insistiu sempre para que o ainda jovem não deixasse de estudar. Numa altura em que tentava vingar como jogador, percebeu que era mais importante “acabar um curso de engenharia do que ir jogar futebol”. E assim foi… Formou-se em Engenharia Eletrotécnica em 1977, sem nunca deixar o desporto-rei.
Nessa altura, tinha acabado de casar com Guilhermina, a mulher que, ainda hoje é o seu principal pilar, e representava o Estoril. Com casa comprada no Cacém, empréstimos para pagar, e já pai de Cátia, acabou por se transferir para o Marítimo, que lhe pagava quase três vezes mais.
Tudo corria bem, mas a saúde da mãe – após um assalto em Espanha – “obrigou” Fernando Santos a regressar ao continente e ao Estoril, onde acabou a trabalhar no hotel Palácio onde tudo o que eram obras passavam por ele.
“A minha vida era a engenharia, não era o futebol, apesar de ter continuado a jogar” no clube local, pois era o que tinha sido acordado. Fernando calçou as chuteiras mais cinco anos, até aos 31. O técnico era o inglês Jimmy Hagan que, certo dia, o apanhou a aldrabar o plano e o meteu “uma hora a subir e a descer escadas”.
Nessa altura, o futebol parecia ceder terreno para a engenharia, mas um acaso lançou-o nas táticas ainda na equipa da Linha que levou para a primeira Divisão. Após seis anos e meio no comando dos estorilistas, Santos foi mandado embora e pensou que era, então, o fim do futebol.
Mas, conta quem faz dos balneários a segunda casa e os relvados a sala de estar, que é difícil desligar e Fernando Santos não foi exceção. Com a condição de manter o emprego no hotel em part-time, treinou o Estrela da Amadora, e só deixou as obras quando recebeu o convite para ir para o FC Porto.
Corria o ano de 1998 e substituía António Oliveira no leme dos Dragões, após assédio também do Sporting de Braga. A mulher com que está há 44 anos apoiou a decisão, assumindo os cuidados com os filhos (a Cátia juntou-se ainda Pedro) durante a semana em Lisboa “para não os desenraizar”. Os fins de semana eram na Invicta, com a família toda reunida.
Ascendia assim na carreira que tomou a pulso para nunca mais largar ou dividir com qualquer outra profissão. Sagrou-se campeão nacional, somando o quinto título nacional consecutivo para o Porto. Ficou conhecido para sempre como o “Engenheiro do Penta”, depois de inicialmente ser apelidado de “mouro”, “beato” e “benfiquista”. Desse tempo, ficou a amizade com o presidente Pinto da Costa que reconhece como “um homem muito culto”.
Como jogador, foi no Benfica que começou. Mais tarde, também treinou o clube da Luz e até chegou a ouvir “bocas” por ter feito do “rival” Porto campeão. Mas, “como treinador não temos coração. Quando estou num clube, quero é que esse clube ganhe”, ressalvou, certo dia, a um jornal.
Seguro nas palavras, já assumiu que deixou coisas por fazer quer no Benfica como também no Sporting. E, sem falsos pudores, admitiu que teria sido campeão se o tivessem deixado. Não aconteceu e foi para a Grécia, primeiro para o AEK Atenas e depois para o PAOK, levando ambas as equipas à Liga dos Campeões, antes de chegar à seleção helénica.
Estimado por alguns e incompreendido por outros tantos, não foi consensual nas escolhas que fez para o Europeu de França, mas não vacila, mesmo quando as críticas o atingem. “As finais começaram mais cedo. Não gostamos muito de sofrer, mas vamos ter de começar as finais mais cedo”, disse após o empate (0-0) com a Áustria. Na quarta-feira, 22 de junho, garantiu o apuramento com um 3-3 ante a Hungria assumindo, pragmático, que “entre um pássaro na mão ou dois a voar”, prefere “ter um na mão”.
Dono de uma inabalável fé, Fernando Santos fez um curso de Cristandade em 1994. Desde então, guarda um crucifico no bolso que sela o compromisso com Cristo e que o acompanha “nas horas boas e nas horas más”. Em Lens, este sábado, no oitavos-de-final, talvez o segure na mão como já aconteceu em outros momentos cruciais, pois só a vitória frente à Croácia interessa rumo à tão desejada conquista da Europa.