Há três décadas, quando o casal de médicos canadenses Alastair e Jean Carruthers descobriu que a toxina botulínica tipo A, o Botox, usada então para controlar contrações involuntárias na pálpebra, também suavizava as rugas da pele, o mundo nunca mais foi o mesmo. O composto tornou-se no maior sucesso nas clínicas dermatológicas que aconteceu até hoje.
Pois agora o Botox ganha espaço em áreas da medicina, digamos assim, relativamente opostas à da estética: as de altíssima complexidade.
O Botox tornou-se ferramenta também de cardiologistas, neurologistas, ortopedistas, urologistas e até gastroenterologistas. Uma das aplicações mais recentes e surpreendentes é no campo da cardiologia.
Um estudo publicado no ‘Circulation: Arrhythmia and Electrophysiology, jornal da Associação Americana do Coração, mostrou que o Botox ajuda a prevenir a arritmia quando injetado em pequenas bolsas de gordura (cheias de fibras musculares) que circundam o coração, em casos pós-cirúrgicos.
O tratamento da próstata é outro exemplo. A toxina botulínica tipo A é aplicada nas terminações nervosas das fibras musculares da glândula, aplacando o descompasso. A terapia passou a ser utilizada nos casos de melhora dos sintomas da hiperplasia benigna — quando a glândula tem tamanho aumentado e pode comprimir o canal urinário. O composto murcha a glândula, relaxando as fibras musculares. É também usado no tratamento de bexiga hiperativa – caracterizada pela incontinência urinária – com aplicação na musculatura do órgão e melhora da sensação de enchimento na bexiga.
O princípio de ação do Botox é tido como simples e seguro: quando injetado, liga-se às terminações pré-sinápticas do sistema nervoso central e inibe a liberação de acetilcolina, o principal neurotransmissor responsável pela contração muscular.
Assim, o Botox age bloqueando a condução do estímulo neuromuscular, levando a uma paralisia parcial e temporária do músculo.
Em julho deste ano, a Academia Americana de Neurologia (AAN) reconheceu, seis anos após a aprovação do FDA (Food and Drug Administration, entidade que regula o uso deste tipo de ‘drogas’), o uso da toxina botulínica tipo A para diminuir a frequência das crises de enxaqueca, principalmente para aquelas pessoas que têm efeitos colaterais com o uso dos medicamentos convencionais.
Mas as beneces derivadas do uso da substância não fica por aqui. O Botox tem se mostrado capaz de bloquear a liberação dos outros neurotransmissores associados à origem da dor, diminuindo sua frequência e intensidade.
“A ação da substância, neste caso, não é relaxar a musculatura. A ideia é diminuir a quantidade de impulsos nervosos que chegam ao cérebro, e o deixam mais sensível e suscetível a esse tipo de dor”, explica Paulo Renato Fonseca, anestesiologista e diretor da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor.
“Estudos atualizados atestam que a toxina botulínica atua não apenas no bloqueio da liberação da acetilcolina, mas também de outros neurotransmissores – substâncias que auxiliam na transmissão de informações entre neurônios e, por conseguinte, no funcionamento dos órgãos”.
Estudo conduzido pela Universidade do Texas Southwestern, em Austin, nos Estados Unidos, revelou também que a toxina botulínica tem efeito antidepressivo quando colocada entre as sobrancelhas. O que poderia apenas amenizar as linhas de expressão no local, mostrou melhorias no humor de pacientes.
O efeito antidepressivo não foi apenas relacionado à aparência melhorada. Acredita-se que a aplicação do Botox seja responsável por ativar de certa forma a região límbica do cérebro. “É a região responsável por emoções e comportamentos sociais. Percebeu-se que o feedback da mudança da musculatura facial poderia modular o processamento das emoções” analisa Claudia Marçal, dermatologista.