A assistência médica é um bem necessário, nem que seja apenas uma vez na vida, na generalidade das pessoas. E mesmo os próprios médicos não fogem à regra. No entanto, há situações raras e excecionais que se tornam marcantes na história da medicina. É o caso do médico soviético Leonid Rogozov, que realizou uma cirurgia a si mesmo para salvar a sua vida.
O episódio ocorreu na década de 1960, durante uma expedição à Antártida. Rogozov, na altura com 27 anos, começou a dar conta de que algo se passava com o seu estado de saúde. Náuseas, fraqueza e dores fortes do lado direito do abdómen foram o suficiente para o jovem cirurgião perceber que estava a sofrer uma apendicite aguda.
Uma vez que a viagem de volta ao seu país natal, a Rússia, demorava 36 dias por mar, o médico começou a temer pela própria vida, já que qualquer assistência médica não chegaria a tempo e os sintomas eram cada vez mais intensos. Viu-se, então, deparado apenas com duas possibilidades: ou não fazia nada e esperava por ajuda, que não viria, ou operava-se a si mesmo.
A escolha não foi fácil. Mas, com a experiência de Leonid Rogozov como cirurgião, e sabendo que o seu apêndice podia rebentar em breve, decidiu ganhar coragem e preparar uma auto-operação, mesmo sem saber se isso seria humanamente possível.
Através do diário do médico, foi possível tomar conhecimento da cirurgia que se transformou num marco da medicina. Elaborou um plano minucioso, distribuindo determinadas tarefas a alguns dos seus colegas, como dois assistentes para lhe passarem os instrumentos e também para segurarem num espelho, de forma a que Rogozov visse o que estava a fazer através do reflexo. Instruiu-os, também, para saberem como proceder caso começasse a perder a consciência.
“Pobres dos meus assistentes! No último minuto, olhei para eles. Estavam ali em pé, vestindo suas roupas cirúrgicas brancas, mais brancos do que o branco das roupas”. Eu também estava com medo. Mas quando peguei a agulha com a novocaína e fiz a primeira injeção, de alguma forma entrei no ‘modo cirurgião’ e daquele ponto em diante eu não notei mais nada”, escreveu Leonid no seu diário.
A cirurgia, que durou cerca de duas horas, não se revelou fácil, sobretudo no final, quando o médico começou a perder a consciência. Porém, conseguiu ter sucesso até ao fim, mesmo com um pequeno percalço. “O sangramento é forte, mas vou devagar… Ao abrir o peritônio, feri a víscera e tive de costurá-la”.
Depois de concretizar o feito impressionante, só descansou após a sala e os instrumentos estarem completamente limpos. Duas semanas depois, voltou à sua rotina diária, totalmente recuperado.
Quando voltou à Rússia, Leonid Rogozov foi recebido como um verdadeiro herói nacional e o seu feito inspirou os grandes líderes a utilizarem-no como arma de propaganda soviética. No entanto, o cirurgião quis-se manter discreto, continuando com o seu trabalho habitual.
O seu nome ficou registado na História, sobretudo por ter dado fortes contributos, revolucionando a política de exames prévios e também ao aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas.