O luto abateu-se sobre o futebol português com a partida de Félix Mourinho. Para a grande maioria das pessoas, muito mais do que um antigo jogador e treinador, faleceu aquele que ficará eternamente na memória dos amantes do desporto-rei como o formador do melhor técnico que Portugal alguma vez já viu.
José Mourinho acabou por ser a maior herança que o seu pai deixou e, no caso, deixou-a ao futebol e a todos os que vibram com ele. O agora treinador do Manchester United, contudo, recebeu do progenitor outros valores, nomeadamente a paixão pelo desporto e a perspicácia na parte mais táctica do jogo.
O futebol, na família Mourinho, parece algo hereditário e o mais novo do clã, José Mário, também dá os seus passos nessa modalidade desportiva. Fá-lo, tal como o avô, como guarda-redes, embora servindo as cores dos ingleses do Fulham, na equipa sub-18.
Em suma, o futebol apoderou-se da família com toda a naturalidade e são conhecidos muitos exemplos de como o mundo do pontapé na bola se tornou quase numa obsessão para todos eles, sobretudo para José Mourinho, que muitas vezes interrompe as refeições em família para tirar notas, no bloco que o acompanha em todos os instantes, sobre a forma de abordar o próximo jogo da melhor maneira. No seio da família já ninguém leva a mal ou acha isso estranho.
Foi, ainda assim, com Félix Mourinho que tudo começou. O antigo guarda-redes e treinador sempre foi um homem reservado, raras vezes falou sobre a carreira do filho ou da sua própria e muito menos da do neto. Ainda assim, é ele quem está na base de todo o sucesso que o filho atingiu.
Foi na temporada de 1955/56 que o pai do ‘Special One’ arrancou com a sua carreira de futebolista de forma profissional e mal sabia que ia passar o bichinho às gerações vindouras. No Vitória de Setúbal cumpriria 13 temporadas consecutivas, mas em 1968 mudou de ares e assinou pelo Belenenses, onde em 1970/71 assumiu as funções de treinador/jogador. Por pouco tempo, diga-se, mas o suficiente para adquirir conhecimentos sobre aquela que viria a ser a sua nova profissão.
Em 1974, ano da Revolução dos Cravos, Félix Mourinho operou ele próprio uma revolução na sua carreira, pousando as luvas e as chuteiras para se dedicar por inteiro à função de treinador. O filho tinha 11 anos e já mostrava um grande interesse e entusiasmo pelo futebol.
Na condição de líder técnico, orientou Estrela de Portalegre, Caldas, União de Leiria, Amora, Rio Ave, Belenenses, Varzim, União da Madeira, O Elvas, Paredes, Benfica e Castelo Branco, União de Santarém e Vitória de Setúbal. Fê-lo sem sair de Portugal e quase sempre com o apoio e a dedicação total do filho nesses seus diversos projetos. Muitas vezes foi o próprio jovem José Mourinho que, com as indicações do pai, passou mensagens aos jogadores. Aquele que é agora visto por muitos como o melhor treinador da atualidade dava, assim, os primeiros passos nessa área em que se notabilizou.
José Mourinho até chegou a ser treinado pelo pai, mas a assumida falta de jeito para o ‘futebol jogado’ fez com que começasse desde cedo a orientar as suas forças e competências noutro sentido, no sentido da área técnica. Aí chegado, ‘Mou’ nunca se desviou das suas convicções, pois sabia que as bases que lhe foram ‘oferecidas’ pelo pai eram bastante sólidas.
O resto é a história que todos conhecemos, uma história de grande sucesso, impacto mediático e títulos. Muitos títulos conquistados sempre com o pai, Félix Mourinho, a aplaudir na primeira fila. A ligação deles foi agora desfeita, mas apenas em termos físicos. Tudo o resto ficou, ficou para Mourinho utilizar no seu trabalho e na vida e para os amantes do futebol usufruírem a cada jogo do ‘Special One’.