Os biólogos separam a vida em três fases: desenvolvimento, envelhecimento e vida adiantada. Mas um crescente número de cientistas sugere agora que há uma quarta fase, imediatamente anterior à morte, a que chamam “espiral da morte”.
Embora a maioria das pesquisas sobre a “espiral da morte” se tenha concentrado nas drosophila, as famosas moscas da fruta usadas nos estudos científicos, os cientistas acham que estes estudos podem oferecer também uma perspectiva valiosa da última etapa da vida humana.
“Acreditamos que faz basicamente parte do processo da morte geneticamente programada”, explica Laurence Mueller, diretor do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade da Califórnia, nos EUA.
Ao longo da última década, vários estudos com moscas da fruta sugeriram que esta espiral pode ser observada na queda da taxa reprodutiva da espécie, de acordo com uma revisão publicada por Mueller e seus colegas no início deste ano na Biogerontology.
Por exemplo, os pesquisadores descobriram que o primeiro dia em que uma mosca fêmea coloca zero ovos é um indicador significativo do fim da vida: os indicadores de fecundidade começaram a diminuir cerca de 10 dias antes de moscas da fruta jovens terem zero ovos.
Os cientistas consideram que o que leva à morte das moscas também afeta a sua capacidade de reprodução nos últimos dias.
Pesquisas realizadas em 2002 com moscas da fruta do Mediterrâneo descobriram que 97% dos machos começam a ficar de cabeça para baixo 16 dias antes de morrer. Em termos relativos, este indicador potencial de uma espiral da morte também é aproximadamente igual ao momento do declínio da fecundidade nas moscas da fruta.
Em outro estudo, cientistas observaram moscas da fruta, nemátodos e peixes-zebra para verificar se os seus intestinos mostravam mais actividade, ou permeabilidade, antes da morte, testando-a administrando corantes na alimentação de cada animal.
Se a permeabilidade aumentasse, o corante escaparia para dentro do corpo do animal, e o seu corpo mudaria de cor – azul nas moscas e nos peixes e verde fluorescente nos nemátodos. A pesquisa, publicada em 22 de março na revista Scientific Reports, concluiu que o vazamento intestinal é um marcador de morte nas três espécies.
A esperança é que a investigação da espiral da morte em moscas da fruta e outros organismos possa um dia dizer aos cientistas mais sobre o declínio do corpo dos seres humanos antes da morte.
No seu artigo de revisão, Mueller e colegas citaram um estudo de 2008, publicado na ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’, que apresenta evidências de que também as pessoas podem experimentar a espiral da morte.
Nesse estudo, os pesquisadores analisaram dados recolhidos sobre as capacidades físicas e cognitivas de 2262 dinamarqueses com idades entre 92 e 100 anos, entre 1998 e 2005.
A equipa de cientistas descobriu que as pontuações físicas e cognitivas de indivíduos que morreram nos dois primeiros anos do estudo foram significativamente inferiores às pontuações dos que ainda estavam vivos em 2005.
As avaliações incluíram exames de avaliação cognitiva, medidas de força física, e capacidade de realizar actividades diárias como usar o quarto-de-banho ou comer.
Basicamente, explica Mueller, uma espiral da morte nas pessoas poderia ser a razão pela qual muitas vezes vemos um aumento claro nas suas deficiências antes de uma pessoa morrer.
O estudo da morte em seres humanos é sempre um desafio, tanto por razões éticas como biológicas, mas a visão da espiral da morte em outros organismos poderia dar aos cientistas uma janela sobre como funciona em humanos.
Segundo Mueller, o próximo passo na pesquisa pode ser criar selectivamente moscas para ter grupos com espirais de morte de diferentes durações.
“Uma vez que criemos populações que são geneticamente diferentes, podemos perguntar que genes foram alterados para reduzir a espiral da morte”, prevê Mueller.
Usando esse conhecimento, os investigadores poderiam procurar no genoma humano marcadores genéticos similares. “Os seres humanos são geneticamente semelhantes às moscas da fruta”, recorda Mueller.
De acordo com o yourgenome.com, um site do Wellcome Genome Campus, organização que recolhe dados genéticos, 75% dos genes que causam doenças em humanos também estão presentes nas moscas da fruta.
Mueller diz que a pesquisa não é sobre como parar ou mesmo atrasar a morte. Em vez disso, é uma forma de melhorar a qualidade de vida das pessoas quando estão a chegar ao seu fim – e, potencialmente, reduzir brutalmente custos em cuidados de saúde no fim de vida.
“Mesmo que não sejamos capazes de alterar a data da morte de uma pessoa, gostaríamos de conseguir mantê-la completamente funcional até ao dia da sua morte”, conclui Mueller.