Uma criança de sete anos, que sofria de epidermólise bolhosa juncional, foi salva por uma equipa de cientistas que usou células estaminais transgénicas para criar uma pele geneticamente modificada.
Hassan, filho de refugiados sírios na Alemanha, deu entrada no hospital pediátrico de Bochum em 2015. A criança de sete anos tinha já perdido a epiderme em 80% do corpo devido a uma doença genética rara que afeta a epiderme.
A doença em causa, epidermólise bolhosa juncional, torna-se incapacitante com o aparecimento de lesões na pele, semelhantes a bolhas de queimaduras que podem infetar facilmente. Não tem cura e, segundo as estatísticas, mais de 40% das pessoas que sofrem desta enfermidade morrem antes da adolescência.
A doença é causada por uma mutação do gene LAMB3, que cria uma proteína que liga a epiderme às camadas mais profundas da pele. A mutação faz com que a proteína não seja produzida e a pele desenvolva bolhas com regularidade.
A equipa de médicos tentou fazer um transplante da pele do pai de Hassan, que foi rejeitado pelo organismo do filho. Depois de todas as tentativas de tratamento terem falhado, a criança estava já preparada para receber cuidados paliativos.
Tobias Hirsch e Tobias Rothoeft, médicos do Departamento de Cirurgia Plástica no Centro de Queimados e do Departamento de Cuidados Intensivos Pediátricos, admitiram que “houve um momento em que sentimos que já nada havia a fazer”.
Foi aí que contactaram a equipa de Michele De Luca, um investigador da Universidade de Modena que investiga esta área há vários anos, para ver se era possível criar pele suficiente para curar Hassan.
O objetivo era usar células da pele, geneticamente modificadas, para fazer excertos que seriam aplicados no corpo da criança. A equipa de cientistas italianos já tinha conseguido transplantar pele criada em laboratório, mas repor 80% de pele era um desafio.
Os cientistas começaram por recolher uma amostra da pele saudável de Hassan. Destas células da pele, os cientistas fizeram culturas de queratinócitos – células que formam as cinco camadas da epiderme – que foram geneticamente modificados com um vírus que introduziu no núcleo uma versão “saudável” do gene LAMB3.
Ao todo, foram realizadas três cirurgias. “As duas primeiras cirurgias foram as maiores, a primeira em Outubro de 2015 para os membros e a segunda em Novembro para o tronco e zona das costas. A terceira foi mais simples, apenas para cobrir as pequenas regiões que ficaram a descoberto”, explicou Michele De Luca em conferência de imprensa organizada pela revista ‘Nature’.
O procedimento usado é muito semelhante ao que é feito nos excertos de pele para doentes com queimaduras graves. A única diferença é que, neste caso, existiam menos riscos de complicações, dado que a epidermólise bolhosa juncional não danifica a derme como acontece nos doentes queimados.
A epiderme aderiu à derme com firmeza, as bolhas não voltaram a aparecer e, dois anos após a intervenção, Hassan mantém-se saudável sem necessitar de medicação.
A técnica usada pela equipa de cientistas foi apresentada num artigo publicado na ‘Nature’.
Além do sucesso no caso de Hassan, os cientistas fizeram uma outra descoberta importante para a biologia celular. O acompanhamento deste caso permitiu fazer um rastreio das colónias de células no tecido transgénico, permitindo entender um pouco melhor a epiderme humana.
A epiderme é sustentada por um número limitado de células de longa vida, proliferativas e que contêm células estaminais – os holoclones. Estas células estaminais são capazes de se auto-renovar, podendo produzir progenitores que reabastecem as outras células diferenciadas.
Passados oito meses, os cientistas notaram que apenas os holoclones se mantinham na epiderme, ao passo que outros tipos de colónias de células – como os paraclones e os meroclones – tinham desaparecido em apenas quatro meses.
Isto significa que, as futuras experiências de medicina regenerativa neste campo devem “assegurar que esta população de células de vida longa está presente e é mantida nas culturas de células”, explica Michele De Luca.
O entusiasmo da comunidade científica com os resultados é evidente. Ao ‘The Guardian’, Cédric Blanpain, especialista em células estaminais da Universidade Livre de Bruxelas cassifica este caso como “um exemplo impressionante do uso de células estaminais em humanos”. “Substituir a pele de um doente é fantástico“, remata o investigador.
A regeneração conseguida neste caso não pode ser considerada uma cura para esta doença rara. Ainda assim, não deixa de ser uma experiência de sucesso de um tratamento com células estaminais transgénicas.