De acordo com cientistas, a aversão aos vegetais que muitas crianças demonstram, especialmente a partir de 1 ano e meio de idade, pode ser ainda um resquício da “regra evolutiva” que visava protegê-los: é verde e desconhecido? É melhor não comer.
Na pré-história, os filhos dos primeiros hominídeos corriam sérios perigos quando começavam a andar sozinhos e a ganhar mais autonomia. Podiam tornar-se presas fáceis para animais maiores ou comer alguma coisa desconhecida que os pudesse matar. E em geral, as plantas tóxicas e desconhecidas tinham uma característica principal em comum: eram verdes e um tanto amargas.
“De certo modo, é como se os vegetais não quisessem ser comidos”, referiu à BBC a psicóloga Jacqueline Blisset, professora da Universidade de Aston, em Inglaterra, e especialista em comportamento alimentar de crianças nos primeiros anos de vida.
“Costumam ter um gosto relativamente amargo que, durante a nossa evolução, associamos a toxinas. E também estamos predispostos a comer coisas que têm mais gordura ou açúcar porque são uma boa fonte de calorias, e os vegetais não são”, acrescenta Blisset.
Mas, nos dias de hoje, essa resistência para provar novos alimentos, especialmente legumes e verduras, funciona mais como um comportamento prejudicial à saúde do que como uma salvaguarda.
“O principal problema atual da dieta, especialmente no Ocidente, é a insuficiência de vegetais e o excesso de açúcar e gordura”, destacou, vincando que comer menos legumes e vegetais não está associado a riscos de sobrevivência da espécie. Assim, “não há pressão evolutiva para que isso mude com as gerações”.
De um modo geral, as crianças até aos 18 meses de idade mostram-se mais dispostas a provar alimentos novos, desde que oferecidos por um adulto em que elas confiam. A partir desta idade, no entanto, essa disposição diminui, e algumas tornam-se mais resistentes a consumir verduras, legumes e, às vezes, frutas.
“Vemos muita rejeição aos verdes. O verde é uma cor que pode indicar a presença de toxinas e geralmente tem o gosto mais amargo. Já as cores amarela, laranja e vermelha tendem a indicar níveis mais altos de açúcar e de gosto doce. Por isso, costumam ser mais bem aceitas”, explicou a investigadora.
As crianças também têm uma experiência de gosto mais intensa do que os adultos, segundo diversos estudos. Por isso, ao provar algumas verduras pela primeira vez, saboreiam-nas como mais amargas.
Os adultos tendem a ter menos sensibilidade para os diferentes gostos. Por isso, é comum que verduras, legumes ou frutas odiados na infância passem a ser apreciados mais tarde. Mas como é que os cientistas conseguem medir o gosto que verduras e legumes têm para cada um?
“Não conseguimos ter uma medida direta de gosto, só inferir coisas a partir do comportamento das crianças que mostram mudanças nas preferências”, sublinhou Blisset.
Além disso, fazem-se também “alguns tipos de teste que mostram que elas precisam de menos sal numa solução com água, por exemplo, para perceber a diferença de gosto entre essa solução e a água pura”.
“Mas é difícil determinar o quanto disso é da evolução humana e o quanto são fatores ambientais e até mesmo genéticos”, afirmou.
Isso quer dizer que não é só o perigo pré-histórico, mas também a influência da sociedade atual – o comportamento de pais e dos colegas em relação à alimentação, por exemplo – que podem tornar as crianças mais ou menos resistentes em relação ao que comem durante os primeiros anos de vida.
Um estudo feito por investigadores da University College London, do Reino Unido, em 2016, concluiu que a genética é responsável por até 50% da disposição da criança (ou falta dela) em experimentar novos sabores, texturas e cores.
A pesquisa debruçou-se sobre dados do maior estudo feito em todo o mundo com gémeos, envolvendo 1921 famílias com bebés gémeos de 1 ano e meio de idade.
Mesmo assim, a fase é vista como uma etapa normal da evolução do paladar da criança, e, de acordo com Jacqueline Blisset, costuma passar por volta dos sete anos. Por isso, os pais não devem entrar em pânico com a possibilidade de os seus filhos não consumirem leguminosas.
Persistência – e uma boa dose de calma – são as chaves para conduzir as crianças pela fase de rejeição a alimentos novos e vencer a sua resistência a legumes e verduras.
“Os pais costumam desistir muito cedo de dar alguns desses alimentos às crianças porque elas não gostam deles”, reparou Blisset, aconselhando a que se comece “com os legumes mais doces, como cenoura e tomate“, deixando “os verdes para quando elas estiverem um pouco maiores e os seus gostos mudarem”.
Também vale a pena ser criativo, por exemplo, retirando esses alimentos do contexto da refeição e deixando que as crianças comecem, simplesmente, por brincar com eles.
“Se a criança for muito resistente, é bom deixá-la tocar, cheirar e até inventar desenhos com a verdura ou legume. Além disso, é importante que elas vejam os pais a consumir esse alimento, é claro”, aponta a investigadora inglesa.
Outra estratégia que funciona nos casos mais dramáticos é oferecer pequenas recompensas quando a criança experimentar algo novo. Mas atenção: a prática não deve ser frequente demais e a recompensa não deve ser doce ou sobremesa.
“O mais importante, no fim das contas, é diminuir a pressão“, recomendou. “Não se preocupe demasiado com isso, não transforme a hora do almoço num campo de batalha, não pressione demais o seu filho a experimentar”.
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