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A Quinta-Feira Santa que mudou a vida do rei Juan Carlos

Foi a 29 de março de 1956, precisamente há 62 anos e igualmente uma Quinta-Feira Santa.

A família real espanhola vivia no exílio, no Estoril, em Portugal. Nesse dia o filho mais novo dos condes de Barcelona, Alfonso, ou Alfonsito – como era carinhosamente tratado no seio familiar -, foi atingido mortalmente por uma bala de uma pistola que estava guardada na gaveta da secretária do pai.

O infante, de 14 anos, tinha assistido à missa na Igreja de Santo António do Estoril com os pais, Dom Juan de Borbón e Dona Maria de las Mercedes, e os três irmãos, o príncipe Juan Carlos e as infantas Pilar e Margarita.

Regressou à Vila Giralda, a residência da família, e como ainda era cedo para o jantar, Juan Carlos e Alfonso foram para um dos quartos, que servia de ginásio, para estarem entretidos.

Na altura, a casa real espanhola comunicou que a tragédia se ficou a dever a um acidente quando Alfonso e o irmão mais velho, de 18 anos e herdeiro ao trono, limpavam a arma.

Nem uma palavra sobre quem terá feito o disparo, ainda que acidental. Só anos depois o secretariado dos Condes de Barcelona encerrou o tema: “Enquanto o Infante Don Alfonso de Borbón estava a limpar uma pistola com o seu irmão, a arma disparou, atingindo-o na região frontal, morrendo em poucos minutos, e o acidente aconteceu às vinte horas e trinta minutos depois de regressar das celebrações da Quinta-Feira Santa, onde ele recebeu a Sagrada Comunhão”.

Dias antes, o adolescente recebeu uma arma que era quase um brinquedo. “O infante, imprudente, começou a manipulá-la enquanto Don Juan Carlos se aproximava para avisá-lo para ser cuidadoso, mas quando chegou, já era tarde, a arma foi disparada e uma pequena bala, quase como um tiro, entrou pelas sobrancelhas do jovem e saiu pelo occipital [um dos ossos do crânio]”, descreveu o escritor Torcuato Luca de Tena.

Outras crónicas, no entanto, sugerem que era o antigo rei de Espanha quem segurava a arma.

Dona Maria de las Mercedes, que estava numa divisão adjacente, ouviu o tiro. “Naquele dia a minha vida parou”, disse mais tarde.

Ficou com sentimento de culpa, porque acreditava ser ela a responsável por deixar os filhos brincarem com a arma, para evitar que se chateassem, aborrecidos por não terem nada para fazer naquele entardecer chuvoso.

O conde de Barcelona ouviu os gritos de ajuda do filho mais velho, mas já nada pôde fazer. Apesar de ter tentado estancar o sangue, Alfonso morreu quase imediatamente.

Um médico e um padre foram chamados, no entanto já era tarde. “O seu pulso bateu por um segundo como uma corda de relógio que dispara”, escreveu Luca de Tena.

A avó, Victoria Eugenia de Battenberg, foi informada de imediato e não aguentou o choque, ficando doente.

Segundo a ‘Monarquía Confidencial’, a notícia foi silenciada pelo regime do ditador Franco, que manteve os Bourbons afastados de Espanha, e também pela imprensa portuguesa, igualmente sujeita à ditadura de Salazar.

Apesar do silêncio dos nobres espanhóis, há quem continue a querer saber o que se passou na Vila Giralda (residência da família).

Em tempos, foi feita uma denúncia que aponta para o homicídio acidental. Houve um historiador que apresentou o tal documento ao Procurador-Geral da República (PGR), em que explicava esse facto.

A denúncia do Coronel Amadeo Martínez Inglés, um relatório com 20 páginas, chegou às mãos de Pinto Monteiro a 3 de outubro de 2008, foi analisada, mas não avançou para investigação.

“Como é prática habitual da Procuradoria-Geral da República, foi acusada a receção de tais elementos, os quais, como de costume, foram analisados, tendo-se concluído que não existem fundamentos de facto e de direito para abrir qualquer tipo de investigação, pelo que já foi determinado o seu arquivamento, por despacho de 10 de Outubro de 2008”, explicou nessa altura o PGR numa nota enviada à comunicação social.

Sem “fundamentos de facto e de direito”, para além de um eventual crime já ter prescrito, impediu uma investigação sobre o caso que é considerado pelo denunciante como “um obscuro homicídio, estranha morte, homicídio imprudente ou assassinato premeditado”.

À pergunta: “O que se passou às 20h30 de 29 de março de 1956 num dos quartos da Vila Giralda?”, só Juan Carlos podem responder.