Off the record

Carlos Queiroz: “um homem contra a nação” à margem do Mundial

É português nascido em Moçambique, mas é como treinador do Irão que tem dado que falar. Tudo por lhe ter calhado a seleção nacional na fase de grupos do Mundial da Rússia e se terem reacendido mágoas do passado.

Ignorado pelos craques lusos, muitos deles por ele orientados quando esteve no lugar de Fernando Santos, Queiroz foi criticado pela postura durante todo o encontro da passada segunda-feira, em Saransk.

O ‘mister’ compatriota, mas adversário no momento, reclamou da arbitragem e até quis ver Cristiano Ronaldo expulso. Disse-o e repetiu-o na conferência de imprensa, depois de ter pressionado os futebolistas das Quinas durante toda a partida.

“Eu não quero estar aqui a falar muito sobre o meu país porque vão fazer uma guerra contra mim, mas estou já habituado a ser um homem contra a nação e não tenho problemas com isso. Depois de [Mundial de] África do Sul, já estou habituado a ter o país contra mim e eu contra o país”, atirou, recuando até 2010, altura em que era o nosso selecionador nacional.

Carlos Queiroz também se mostrou sentido pelo desprezo de alguns atletas portugueses que até já orientou. “Tenho 36 anos de treinador… São quase 20 anos de trabalho nas duas seleções: perto de oito no Irão e 12 com Portugal. Vinte anos da minha vida com as duas seleções, foi um momento especial para mim. No final do jogo fui cumprimentado pelo meu amigo Fernando Santos, por Carlos Godinho e alguns jogadores. Adrien, Bruno Alves, Cédric e Beto. Não me lembro de mais nenhum, mas lembro-me de todos os jogadores espanhóis e brasileiros que me vêm cumprimentar quando jogo com eles”, afirmou.

Cristiano Ronaldo foi um dos que esteve bem longe dele. Calhou e não houve vontade de contacto, depois de, na sequência do fracasso na África do Sul, o craque do Real Madrid ter dito “perguntem ao Carlos”, em resposta ao que tinha falhado.

Em território russo, Portugal passou aos oitavos de final, enviando Queiroz mais cedo para casa, sem com isso terminarem as picardias de bastidores, com trocas de galhardetes sobretudo com Ricardo Quaresma, a quem o agora treinador do Irão deixou de fora dos convocados em 2010 e, desta vez, o pôs fora de prova com um golo de trivela.

Ainda no rescaldo do jogo, na zona mista, o avançado reconheceu que, mais do que os iranianos, o que o irritou foi o treinador deles. “Acho que como português ele deveria respeitar mais os portugueses. Mas como disse isso é conversa para outros dias”, afirmou.

Estava lançada a bola para a polémica. “Se todos os treinadores que ele teve falassem dele ficariam alguns anos a falar. Todos, desde o Sporting ao FC Porto. É melhor ficarmos por aqui”, contra-atacou Queiroz em entrevista posterior a um jornal diário.

Nas redes sociais, o ‘Harry Porter’ do futebol não se ficou. Lembrou que toda a vida sofreu de preconceito e que o foco agora é o jogo contra o Uruguai, marcado para este sábado. De resto, “se é verdade que o povo diz que se deve ter sempre um olho no burro e outro no cigano também é verdade que vozes de burro não chegam ao céu”, escreveu no Facebook.

Já de volta a Teerão, onde foi recebido com euforia pelo povo, Carlos Queiroz sentiu-se, desta vez, na mesma moeda, ou seja, na rede social. “Quaresma tem razão. Também no meu mundo e cultura, aos burros o que é dos burros (dar coices), aos Ciganos o que é do grande e nobre Povo Cigano (nomeadamente a bravura e hombridade). Quaresma escolheu e acha-se no direito de dar coices no meio de um par de trivelas. Faltou-lhe a bravura e hombridade para explicar de que forma, no exercício da minha função de selecionador do Irão, faltei ao respeito para com os Portugueses. Como se conclui facilmente, Deus é grande e até os coices dos burros chegam ao céu”, partilhou, somando milhares de comentários.

E, sem pouca vontade de terminar o assunto, acrescentou: “Recomendo, vivamente, que Quaresma se informe junto de João Pinto sobre quem é Carlos Queiroz, como ajudei muitos jogadores da Seleção a aprender o Hino Nacional, ou como trabalhei ao longo de 12 anos, pela Federação e pelo País, para criar muitas das condições para que hoje possa, com os seus colegas, envergar da melhor forma a camisola de Portugal. A ignorância não ofende e não é qualquer burro que me dá um coice. Votos de grandes trivelas. E a melhor sorte para Portugal”.

 

Recorde-se que Carlos Queiroz esteve à frente da seleção nacional por duas vezes, entre 1991 e 1994 e novamente entre 2008 e 2010. Está ao serviço da seleção iraniana desde 2011. Ainda de Quinas ao peito e como treinador, foi campeão do Mundo pelos sub-20 em Riade, em 1989, e Lisboa, em 1991.

Passou pelo Sporting, onde ganhou uma Taça de Portugal, mas a fama na formação de jogadores levou-o para voos internacionais, quer na equipa norte-americana MetroStars como na japonesa Nagoya Grampus Eight. Orientou a seleção dos Emirados Árabes Unidos, assim como a da África do Sul, antes de se tornar adjunto de Alex Ferguson no Manchester United.

Em 2003, substituiu Vicente del Bosque nos comandos do Real Madrid, mas não se afirmou e voltou para Inglaterra, onde continuou até 2008 a conquistar títulos com Sir Ferguson. Aos 65 anos, é visto como um herói no Irão, mas parece ter algumas contas a acertar com a pátria a que pertence, pois nasceu em Nampula quando esta era ainda portuguesa.

Fotos: Redes sociais e FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images