A 14 de outubro de 1964, aos 23 anos, o músico Charlie Watts jurou amor eterno a uma estudante de escultura dois anos mais velho do que ele.
Quando os Rolling Stones explodiram como fenómeno musical em meados dos anos 60, Charlie Watts, o seu lendário baterista, que morreu na última terça-feira aos 80 anos , teve que esconder o seu status de homem casado, o que seria ‘intolerável’ para um ícone do rock.
“O resto do grupo achou que não era uma ideia muito boa, porque naquela época os fãs tinham que sentir que cada membro da banda estava disponível. Eles disseram-me para não usar aliança quando estivesse com ele e andar alguns passos atrás”, explicou Shirley Ann, a mulher de Charlie Watts, ao Channel 4 num programa sobre esposas de roqueiros.
Este documentário gravado em 1996, é uma das poucas aparições na imprensa de Shepherd, pois o silêncio inicialmente imposto, tornou-se um hábito. O casal manteve-se junto e fiel durante 57 anos.
Nascida a 11 de setembro de 1938, Shirley Ann Shepherd veio de uma família inglesa da classe trabalhadora, como Watts, e queria ser escultora. Apaixonou-se quando viu o músico tocar no início dos anos 60 na banda Blues Incorporated. Depois de seis meses de relacionamento decidiram que cada um devia perseguir o seu sonho, ela iria estudar no Royal College of Arts em Londres, e ele ia concentrar-se na sua nova banda chamada The Rolling Stones, para além de ter encontrado um emprego como designer gráfico.
No entanto, o destino estava traçado: um ano depois voltaram a encontrar-se e, como Shirley Ann explicou, “não havia como voltar atrás“.
Para surpresa de muitos, era Shirley Ann, a roqueira do relacionamento, aquela que ouvia rock em casa, enquanto Watts era mais de ouvir jazz.
Viviam numa propriedade rural em Haldon Arabians, na região de North Devon (sudoeste da Inglaterra) rodeados de cães e cavalos. Tiveram apenas uma filha, Seraphina, hoje com 53 anos, que também lhes deu a única neta, Charlotte.
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Porém, aquela vida bucólica criada por Shirley Ann não era necessariamente o sonho de Watts, que chegou a dizer que o seu único arrependimento era não ter passado mais tempo com a sua esposa. “Quando ele volta para casa, tudo é muito difícil. Depois de desfazer as malas, ele realmente não sabe o que fazer. Fica entediado, porque ele é músico, é o que ele sabe e quer fazer, então ele tem que ir. Mas conseguimos. Não há nada pior do que ver alguém divagando pela casa sem saber o que fazer”, contou Shirley.
Ela tentou seguir o estilo de vida do marido. “Sim, eu estava nas primeiras viagens, mas logo percebi que aquele não era um lugar para uma esposa e que não era bem-vinda. Passei horas trancada num quarto de hotel imundo desenhando esboços ou lendo“, confessou, admitindo que até tinha problemas de autoestima por ser ‘a mulher de’.
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Eles encontraram um equilíbrio. Charlie nunca entrou na vida selvagem dos seus companheiros de banda e raramente deu entrevistas. Bill Wyman, o baixo da banda, resumiu os dois primeiros anos de fama: “Eu dormi com 278 garotas, Brian (Jones) com 130, Mick (Jagger) com cerca de 30, Keith (Richards) com 6 e Charlie com nenhuma”.
A grande ameaça à estabilidade familiar veio na década de 1980, na forma de heroína. Quando Charlie Watts superou o vício, reconheceu que foi graças a Shirley Ann e à sua filha. Watts encontrou a paz e trocou a imortalizada e célebre frase “sexo, drogas & rock and roll” por um casamento duradouro.
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Até o Vaticano celebrou a vida do baterista dos Rolling Stones, realçando a sua fidelidade a Shirley, companheira de 57 anos. Charlie Watts foi alvo de um elogioso obituário no jornal do Vaticano, o L’Osservatore Romano, no qual se pode ler que o músico “fugiu sempre do sexo fácil” e manteve uma relação longa com a mulher, Shirley.
“O baterista dos Rolling Stones foi a outra face da banda inglesa, sempre sóbrio, sério, um cônjuge fiel para toda a vida, desde 1964, de Shirley Ann Shepherd“, diz a publicação, acrescentando que o músico estava “a mil anos-luz da transgressão radical do vocalista Mick Jagger e de outros“.
“Fugiu sempre do sexo fácil para ser o marido e o pai de toda a uma vida“, lê-se ainda no obituário, “foi um símbolo, sim, ainda que contra a corrente“.
#25Agosto La morte di Charlie Watts, l’altra faccia dei Rolling Stoneshttps://t.co/GmLPJ1Fd51#CharlieWatts #RollingStones pic.twitter.com/mggJRlRNot
— L’Osservatore Romano (@oss_romano) August 25, 2021