A jovem atriz, cujo crescimento fomos acompanhando nas várias novelas brasileiras em que participou, viu-se obrigada a revelar a sua realidade após esta ter sido divulgada, apesar de protegida por sigilo.
Perante várias violências, até por quem tinha a obrigação de a proteger, Klara Castanho escreveu uma “carta aberta” nas redes sociais, onde explica com pormenor os horrores a que a sua tão curta existência já passou, sem nunca dar a tender que sofria, como relatam alguns colegas de profissão. Leia a história na íntegra:
“Este é o relato mais difícil da minha vida. Pensei que levaria essa dor e esse peso somente comigo. Sempre mantive a minha vida afetiva privada, assim, expô-la dessa maneira é algo que me apavora e remexe dores profundas e recentes. No entanto, não posso silenciar ao ver pessoas conspirando e criando versões sobre uma violência repulsiva e de um trauma que sofri. Fui estuprada. Relembrar esse episódio traz uma sensação de morte, porque algo morreu dentro de mim. Não estava na minha cidade, não estava perto da minha família nem dos meus amigos.
Estava completamente sozinha. Não, eu não fiz boletim de ocorrência. Tive muita vergonha, me senti culpada. Tive a ilusão de que se eu fingisse que isso não aconteceu, talvez eu esquecesse, superasse. Mas não foi o que aconteceu. As únicas coisas que tive força para fazer foram: tomar pílula do dia seguinte e fazer alguns exames. E tentei, na medida do possível e da minha frágil capacidade emocional, seguir adiante, me manter focada na minha família e no meu trabalho. Mas mesmo tentando levar uma vida normal, os danos da violência me acompanharam. Deixei de dormir, deixei de confiar nas pessoas, deixei uma sombra apoderar-se de mim.
Uma tristeza infinita que eu nunca tinha sentido antes. As redes sociais são uma ilusão e deixei lá a ilusão de que a vida estava ok enquanto eu estava despedaçada. Somente a minha família sabia o que tinha acontecido. Os fatos até aqui são suficientes para me machucar, mas eles não param por aqui. Meses depois, eu comecei a passar mal, ter mal-estar. Um médico sinalizou que poderia ser uma gastrite, uma hérnia estrangulada, um mioma. Fiz uma tomografia e, no meio dela, o exame foi interrompido às pressas. Fui informada que eu gerava um feto no meu útero. Sim, eu estava quase no término da gestação quando eu soube. Foi um choque, meu mundo caiu. Meu ciclo menstrual estava normal, meu corpo também. Eu não tinha ganhado peso e nem barriga. Naquele momento do exame, me senti novamente violada, novamente culpada. Em uma consulta médica contei ter sido estuprada, expliquei tudo o que aconteceu. O médico não teve nenhuma empatia por mim. Eu não era uma mulher que estava grávida por vontade e desejo, eu tinha sofrido uma violência.
E mesmo assim esse profissional me obrigou a ouvir o coração da criança, disse que 50% do DNA eram meus e que eu seria obrigada a amá-lo. Essa foi mais uma da série de violências que aconteceram comigo. Gostaria que tivesse parado por aí, mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu. Eu ainda estava tentando juntar os cacos quando tive que lidar com a informação de ter um bebê. Um bebê fruto da violência que me destruiu como mulher. Eu não tinha (e não tenho) condições emocionais de dar para essa criança o amor, o cuidado e tudo que ela merece ter. Entre o momento que eu soube da gravidez e o parto se passaram poucos dias. Era demais para processar, para aceitar e tomei uma atitude que considero mais digna e humana.
Eu procurei uma advogada e conhecendo o processo, tomei a decisão de fazer uma entrega direta para adoção. Passei por todos os trâmites: psicóloga, ministério público, juíza, audiência – todas etapas obrigatórias. Um processo que, pela própria lei, garante sigilo para mim e para a criança. A entrega foi protegida e em sigilo. Ser pai e/ou mãe não depende tão somente da condição económica-financeira, mas da capacidade de exercer esse cuidar. Ao reconhecer minha incapacidade de exercer esse cuidado, eu optei por essa entrega consciente e que deveria ser segura.
No dia em que a criança nasceu, eu, ainda anestesiada do pós-parto, fui abordada por uma enfermeira que estava na sala de cirurgia. Ela fez perguntas e ameaçou: ‘Imagina se tal colunista descobre essa história’. Eu estava dentro de um hospital, um lugar que era para supostamente me acolher e proteger. Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista, com todas as informações. Ele só não sabia do estupro. Eu ainda estava sob o efeito da anestesia. Eu não tive tempo para processar tudo aquilo que estava vivendo. Eu conversei com ele, expliquei tudo que tinha me acontecido. Ele prometeu não publicar. Um outro colunista também me procurou dias depois querendo saber se eu estava grávida e eu falei com ele. Mas apenas o fato de eles saberem, mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de extrema dor e vulnerabilidade, que têm a obrigação legal de respeitar o sigilo da entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim e nem pela criança.
Bom, agora a notícia se tornou pública, e com ela vieram mil informações erradas e ilações mentirosas e cruéis. Vocês não têm noção da dor que eu sinto. Tudo o que fiz foi pensando em resguardar a vida e o futuro da criança. Cada passo está documentado e de acordo com a lei. A criança merece ser cuidada por uma família amorosa, devidamente habilitada à adoção, que não tenha lembranças de um fato tão traumático. E ela não precisa saber que foi resultado de uma violência tão cruel. Como mulher, eu fui violentada primeiramente por um homem e, agora, sou reiteradamente violentada por tantas outras pessoas que me julgam. Ter que me pronunciar sobre um assunto tão íntimo e doloroso me faz ter que continuar vivendo essa angústia que carrego todos os dias. A verdade é dura, mas essa é a história real. Essa é a dor que me dilacera.
No momento, eu estou amparada pela minha família e cuidando da minha saúde mental e física. Minha história se tornar pública não foi um desejo meu, mas espero que, ao menos, tudo o que me aconteceu sirva para que mulheres e meninas não se sintam culpadas ou envergonhadas pelas violências que elas sofrem. Entregar uma criança em adoção não é um crime, é um ato supremo de cuidado. Eu vou tentar me reconstruir, e conto com a compreensão de vocês para me ajudar a manter a privacidade que o momento exige. Com carinho, Klara Castanho.”
Adoção
Pela lei brasileira Klara teria direito a fazer um aborto legal, mas decidiu fazer uma entrega direta para adoção, num procedimento assistido pela Justiça.
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