Apenas um em cada dez doentes terminais tem acesso a cuidados paliativos. Em entrevista à agência “Lusa”, o presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos classificou como “altamente negativo” o panorama atual desta área em Portugal, embora reconhecendo que houve esforços de melhoramento.
Recorrendo a dados de relatórios de entidades oficiais, Manuel Luís Capelas indica que pelo menos 90% da população portuguesa que necessitaria de cuidados paliativos não tem acesso a eles. “No máximo, só 10% da população terá acesso a cuidados paliativos. Estamos a deixar muitos destes doentes a serem cuidados noutra tipologia de serviços que não são os mais adequados para dar resposta cabal às suas necessidades”, revelou.
A burocracia na referenciação de doentes é um dos problemas desta área, que já está diagnosticado há muito e que a lei de bases para o setor queria alterar: “A ideia da lei de bases, que continua a aguardar regulamentação, era agilizar e tornar a referenciação numa referenciação clínica, que tivesse em conta a prioridade dos doentes e não a questão burocrática da ordem numa lista de espera”.
Para o presidente da Associação, sem a regulamentação da lei, a rede nacional de cuidados paliativos parou. “Isto leva a aumentos de tempos de espera. Cerca de 50% dos doentes referenciados nem sequer chegam a ser admitidos nas unidades porque morrem entretanto”, lamentou.
A falta de equidade no acesso a estes cuidados é outro dos problemas que se verifica, havendo distritos que continuam sem um único recurso de cuidados paliativos.
Em vésperas do Congresso Nacional de Cuidados Paliativos, que começa quinta-feira no Algarve, Manuel Capelas, apela a que a legislação seja regulamentada, recordando que o grupo de trabalho criado pelo Governo para o efeito já cumpriu a sua tarefa.
Durante o Congresso será apresentada uma investigação, baseada na análise de dezenas de estudos, que mostra os benefícios dos cuidados paliativos domiciliários para os doentes.
Segundo a investigadora Bárbara Gomes, a maioria das pessoas com doença avançada prefere morrer em casa, uma hipótese que duplica de probabilidade quando os doentes recebem cuidados de saúde domiciliários. “Na área, esta meta-análise é um marco importante porque demonstra, pela primeira vez, evidência clara e fidedigna de benefícios que justificam um investimento na prestação de cuidados paliativos domiciliário”, comentou Bárbara Gomes à agência “Lusa”.
No grupo de controlo do estudo, a percentagem de doentes que morriam em casa andava pelos 25 ou 30% e no grupo de intervenção passou para mais de 50%, mostrando que as possibilidades de “morrer em casa duplicam com a intervenção dos paliativos domiciliários”.
Em Portugal, está a decorrer, até 2016, um projeto de investigação que vai explorar as preferências dos doentes terminais sobre o local de morte e também qual a relação custo-efetividade em relação ao tipo de cuidados prestados.
Bárbara Gomes indicou que a oferta de cuidados paliativos ao domicílio é “bastante reduzida em Portugal”, havendo cerca de 14 equipas para um universo de mais de 60 mil doentes. “O objetivo é que todas as pessoas com doença avançada e seus familiares possam pedir para ser vistos por estas equipas, mas para tal elas têm de existir”, defendeu a investigadora, doutorada em cuidados paliativos no King’s College London, Cicely Saunders Institute.