Júlio Magalhães, de 50 anos, assumiu há um ano a direção do Porto Canal. Em jeito de balanço, à Move Notícias, garante não se arrepender de ter deixado a TVI e, sem “papas na língua”, diz que hoje os projetos jornalísticos na televisão são muito pessoais e egocêntricos.
Move Notícias – Está há um ano no Porto Canal. Que balanço faz?
Júlio Magalhães – Muito positivo. Encontrei uma grande equipa, muito trabalhadora, jovem, profissional e motivada. O Porto Canal, um ano depois, faz parte do mapa nacional em termos televisivos. Acho que não há dúvidas que está a ter a preferência dos telespetadores. Por isso, estamos muito entusiasmados. Houve uma transformação no canal, com a nova grelha que entrou em novembro e com esta mudança o Porto Canal deu um salto de quase 40 por cento, em relação aos anos anteriores.
MN – Quais foram as mudanças mais significativas?
J.M. – É um canal generalista, mas com uma aposta na informação contínua – antigamente havia mais entretenimento. Somos o único canal em Portugal, produzido fora de Lisboa, com debates, programas de entretenimento…. Do meu ponto de vista, é o único canal que faz serviço público. Por exemplo, é o único a ter um programa de História em prime time. Não há outro canal que o faça. Estamos à dimensão da TVI, SIC ou RTP, não ficamos nada a dever a outro canal.
MN – A equipa jovem e motivada é o grande trunfo do canal?
J.M. – Penso que sim. No Porto Canal há muitas pessoas jovens, mas que têm feito televisão nos últimos anos, às vezes em condições mais precárias, e estão mais preparadas. Isto é o que também separa os jornalistas do Porto dos de Lisboa. Cá, um jornalista está habituado a fazer tudo, não faz apenas política ou desporto ou economia. Tão depressa cobre um incêndio como um jogo de futebol. Assim, quando um jornalista do Porto chega a Lisboa o seu ritmo e a sua forma de fazer jornalismo é substancialmente melhor do que a deles, que estão mais segmentados.
MN – A “Praça da Alegria” da RTP saiu do Porto. Acha que o Porto Canal pode colmatar essa falha deixada no Norte?
J.M. – Pode e já está a colmatar. As televisões nacionais não estão só a abandonar o Norte, como o país inteiro, são muito centralistas. Agora há muita gente que deixou de ver a RTP para ver o Porto Canal. Quem me dera ter os recursos financeiros para ir buscar nomes da RTP/Porto. Gostava muito de ter o Jorge Gabriel e a Sónia Araújo no Porto Canal, mas não é fácil e temos que ser realistas. Estamos a aproveitar esse “abandono” e acho que o estamos a fazer bem e dentro de pouco tempo podemos tornar-nos no bastião da informação do Norte, porque não estamos centrados só no Porto, temos um grande peso no Douro e na zona centro e vamos alargar-nos a outras zonas do país. Daqui a uns anos, o Porto Canal pode ser uma marca de referência não só no Norte do país.
MN – Essa expansão vai ser feita de que forma?
J.M. – Tem que ser muito calmamente. Já temos oito delegações – recentemente abriu a delegação de Aveiro – e todas com grande expressão no canal, com a participação de políticos nos nossos jornais. Hoje as pessoas para verem as notícias das suas terras veem no Porto Canal e temos que continuar a dar voz a essas pessoas e a essas terras. O alargamento a todo o país vai demorar cerca de dois anos. Entretanto, temos conseguido grandes vitórias, como a entrevista do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho. Foi a primeira vez que cedeu uma entrevista a um canal de cabo. E temos marcado a agenda. Hoje políticos, banqueiros e outras personalidades não dizem que não ao Porto Canal.
MN – Esse foi um desafio, criar uma imagem de credibilidade do Porto Canal?
J.M. – Durante algum tempo o canal foi minimizado, mas acho que hoje já não acontece e ninguém diz que não ao Porto Canal e foi a nossa primeira vitória, neste curto espaço de tempo. As pessoas perceberam que é importante falar para o Porto Canal e os telespetadores também se identificam connosco.
MN – Olhando para trás, tomou a decisão certa de sair da TVI?
J.M. – Sem dúvida. Às vezes tenho saudades dos colegas que deixei e das noites com o professor Marcelo (Rebelo de Sousa). Mas o Porto Canal tem sido um desafio tão grande e tem estado a correr tão bem, que nem tenho tido saudades. Também verdade seja dita, que não tenho visto a TVI, é raríssimo ver, nem o professor Marcelo aos domingos. Os projetos de televisão em Lisboa estão a tornar-se muito pessoais, muito egocêntricos e centralistas. Ainda agora na gala da TVI reparei nisso. Há uma guerra de egos em Lisboa inacreditável, não só na TVI, e isso está a minar o jornalismo.
Por exemplo, a TVI organizou conferências sobre os 20 anos de jornalismo e estive a ver as fotografias dos convidados e eram quase todos políticos e empresários. Então os 20 anos de jornalismo são discutidos por políticos? Mas porquê? Isto é a imagem do jornalismo que se faz em Lisboa. São estas relações perigosas que existem entre políticos, banqueiros, empresários e jornalistas. Pode-se dizer que, praticamente, o jornalismo desapareceu. Depois, claro, que isto se torna uma guerra de «lóbis» e de lutas pessoais. Jornalistas que saem das televisões e vão para assessores políticos ou vão trabalhar para grandes empresas do país e depois regressam aos jornais e à televisão… e isto está a minar e a matar o jornalismo.
MN – Quer dizer que o jornalista deixou de ter imparcialidade?
J.M. – Não há nenhuma distância, deixou de haver há muito tempo. Já quando era diretor de informação da TVI dizia isso. Porque hoje os políticos fazem a agenda e há relações muito fortes entre jornalistas e políticos, são amigos de casa e há até ligações amorosas, tudo isto prejudica e altera o jornalismo.
Hoje os jornalistas querem aparecer, apresentar, ser diretores… e depois existem guerras entre uns e outros. Não vejo necessidade de haver guerras, acabam por prejudicar muita gente, em prol de batalhas e interesses pessoais em nome de um poder.
MN – O que acha das alterações na TVI com a entrada da Judite de Sousa e do José Alberto Carvalho?
J.M. – Acho que as mudanças refletem um estilo próprio. Penso que a informação da TVI é um trabalho de continuidade e de equipa, antes e agora. Os grandes ativos da TVI são o Marcelo Rebelo de Sousa e o Marques Mendes. Acho que a TVI24 se está a transformar num canal de futebol e era um canal de informação normal.
Por isso, as pessoas que debatem hoje o jornalismo e acham que são os grandes pensadores acabam por recorrer àquilo que sempre criticaram, que é recorrer ao futebol para terem audiências. Claro, sem retirar mérito a quem tem, que são grandes profissionais do jornalismo e são pessoas competentes, só que depois há muito egocentrismo, dão entrevistas a dizer que são os melhores quando, na verdade, recorrem a estes truques.
MN – Hoje existem também os jornalistas/figuras públicas…
J.M. – Sim, há jornalistas que se transformam em figuras públicas. O grande problema do jornalismo é que os jornalistas deixaram de estar próximos das pessoas, contra mim falo.
Hoje, os jornalistas vivem em condomínios fechados e têm políticos e banqueiros como vizinhos. Portanto, todos nós, jornalistas, chegamos à alta sociedade e esquecemos o povo.
MN – O jornalismo ainda é um contra poder?
J.M. – Acho que é mais um poder, deixou de ser contra poder. Faz falta um jornalismo contra poder, mas não pode ser feito de qualquer maneira, não pode ser de perseguição ou caça ao homem. Faz falta um jornalismo de denúncia, que dê voz às pessoas e que ajude a sociedade a mudar. Não pode ser às custas destas relações perigosas, cujas fontes sejam políticos para prejudicar outros. O jornalismo está ali à mercê de fazer sangue.
MN – Essa é uma vantagem do Porto Canal, a proximidade com as pessoas?
J.M. – Sim, queremos dar voz às pessoas e fazer um jornalismo equilibrado, sem estar centrado numa só pessoa, mas numa equipa.
MN – Vai ser lançado um novo canal e já foram contratos nomes conhecidos da área…
J.M. – Eles têm mais dinheiro, as operadoras tratam melhor os canais de Lisboa do que a nós. Este centralismo em Lisboa permite que andem no mesmo lóbi, por isso há mais dinheiro para fazer canais de televisão. Acho que o projeto é bom, até pelas pessoas que contrataram e pelo facto de terem disponibilidade financeira. O Porto Canal é um canal low cost.
MN – Se tivesse disponibilidade financeira, quem contrataria?
J.M. – Neste momento, o Marcelo Rebelo de Sousa e o Miguel de Sousa Tavares.
Texto: Andreia Caturna Martins
Fotos: José Gageiro